O gloriense Jorge Henrique Vieira Santos é reconhecido
não só como professor da rede pública estadual de Sergipe, mas também como
poeta. Além de suas duas obras individuais:Mutante in Sanidade, 2001(poesias) e
“Glória” Cantada em Versos, 2008 (literatura de cordel), ele participa de
diversas antologias, entre as quais: o I Prêmio Banese de Literatura (2004) e a
II Antologia de Poetas Lusófonos (2009), esta publicada em Leiria Portugal. Boa parte de sua produção literária
está disponível em sites e blogs na rede, principalmente em
http://meu-verso.blogspot.com/ e em http:// poetajorge.blogspot.com/.
No entanto, nesta entrevista, concedida a Ramon Diego
Câmara Rocha(*), Jorge Henrique não fala sobre poesia, mas sobre o fenômeno da
polidez linguística no discurso que trata da inclusão da pessoa com deficiência
na escola, objeto de sua pesquisa de mestrado. Nesta conversa, Jorge esclarece
as principais conclusões a que chegou com seu estudo e ressalta a importância
de se refletir sobre a polidez nesse discurso específico, alertando para as
implicações que os usos linguísticos podem trazer para o processo de inclusão
escolar da pessoa com deficiência.
RAMON DIEGO – Prof. Jorge Henrique, sabemos que defendeu
recentemente sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Sergipe.
Diga-nos, sobre o quê pesquisou?
JORGE HENRIQUE – Em meu estudo, investiguei a polidez
linguística presente no discurso de professores sobre a inclusão da pessoa com
deficiência na escola, buscando refletir sobre as razões que condicionam seu
uso e sobre suas implicações para o efetivo processo de inclusão escolar dessas
pessoas.
RD – Você poderia esclarecer para os leitores da revista
Maisglória o que é, exatamente, polidez linguística?
JH – No senso comum, na cultura ocidental, polidez remete
à noção de boas maneiras, etiqueta, boa educação ou comportamento adequado. No
âmbito de ciências como a Pragmática, por exemplo, esse termo se refere a
estratégias linguísticas que, em princípio, visam manter a harmonia das
interações. A polidez pode ser observada no uso de expressões que modificam a
forma de dizer e tendem para projetar uma imagem positiva do falante e a
minimizar ou relativizar os efeitos do que diz. Um bom exemplo disso está em afirmações
como esta que colhi em minha pesquisa: “todos nós temos limitações, mas a gente
considera como deficiente o portador de um índice maior de limitações”. Podemos
observar nesse enunciado que o falante compreende a pessoa com deficiência
apenas a partir de seus aspectos diferenciais, de suas limitações. É uma
percepção negativa do outro. No entanto, busca generalizar a condição de
limitação. Essa é uma estratégia de polidez que consiste em aproximar os dois
grupos que o próprio falante separa em sua afirmação: Nós (grupo no qual se
insere, dos que apenas têm limitações) e os Outros (grupo no qual insere as
pessoas com deficiência, que têm muitas limitações). Essa tentativa de
aproximar os dois grupos simula a dissolução das diferenças que ele entende existir
entre eles e visa ocultar o fato de que há um estigma em relação às pessoas
desse outro grupo. Como não seria bem vista, pela sociedade, a exposição aberta
do que entende que sejam defeitos ou limitações da pessoa com deficiência; e
como suas crenças e convicções o colocam na contingência de fazê-lo, o falante
procura suavizar os efeitos de sua afirmação pelo uso dessa estratégia
linguística de polidez.
RD – Como você também é poeta, muitos imaginaram que
realizaria sua pesquisa na área de Literatura. Por que a opção por pesquisar a
polidez linguística no discurso sobre a inclusão?
JH – Realmente, seria prazeroso realizar uma pesquisa de
mestrado na área de Literatura. No entanto, minha própria condição humana e a
realidade da sociedade em que vivemos me impelem a assumir determinados
compromissos. Minha opção por esse estudo se deveu a três compromissos éticos
que assumi e que respondem pela sua motivação mais essencial. O primeiro desses
compromisso é com a condição humana da pluralidade, em favor de uma organização
social mais justa e inclusiva. O segundo é o compromisso político e acadêmico
de oferecer uma contribuição reflexiva que concorra para a garantia dessa
diversidade humana e para desencadear processos que colaborem para a efetiva
promoção da inclusão. O terceiro, não menos importante, é o de assumir a
autoridade da minha experiência de vida na discussão da deficiência; pois sou,
a um só tempo: professor, portador de necessidades especiais, pesquisador
e antes e acima de
tudo cidadão.
RD – Você poderia explicar resumidamente aos leitores da
Revista MaisGlória a que principais conclusões você chegou, a partir de sua
pesquisa?
JH – A pessoa com deficiência permanece estigmatizada,
sujeita à discriminação e à segregação. Apesar dos direitos conquistados nas
últimas três décadas, sua inclusão em salas regulares ainda enfrenta uma
resistência significativa. Essa resistência pode ser verificada no uso das
estratégias de polidez que os professores empregam ao discutir essa questão.
Para alinhar-se às exigências do contexto de inclusão atual, a sociedade define
o que sejam atitudes politicamente aceitáveis em relação a esse tema. Isso cria
para o professor a obrigação de se apresentar favorável à inclusão. Instaura-se
nele um conflito entre a defesa de sua liberdade de ação e o sistema de
obrigações que lhe é imposto socialmente. Por isso ele mobiliza estratégias de
polidez que agem de forma a inseri-lo nessas expectativas. As estratégias
verificadas em seu discurso se organizam em dois processos: um que visa à
dissimulação do estigma em relação à pessoa com deficiência, construído social
e historicamente; e outro que visa à projeção, preservação e confirmação de uma
imagem positiva do professor e do seu grupo, conforme as expectativas do
politicamente correto, que lhe são impostas sob a forma de um sistema de
aparências. Ambos os processos convergem para um só propósito: construir uma
simulação de que há desejos e esforços do professor e, consequentemente, da
sociedade, no sentido de promover a inclusão desses alunos, uma simulação de
que o processo de inclusão está bem ou
mal acontecendo, embora isso não
corresponda, essencialmente, à realidade prática, nem reflita, efetivamente, o
desejo desse professor nem da sociedade. Esse jogo de aparências mascara as
barreiras atitudinais dos próprios docentes, que são negativas ao processo de
inclusão.
RD – E quais são as consequências dessa linguagem polida
empregada no discurso sobre a inclusão da pessoa com deficiência na escola?
JH – A polidez linguística nesse caso define formas para
que o professor possa apresentar-se positivamente, enquanto busca evitar
responsabilidades, mascarar suas reais intenções e propósitos, dissimular suas
convicções e posturas sobre a inclusão da pessoa com deficiência na escola.
Esses usos linguísticos concorrem para que a sociedade continue a negar às
pessoas com deficiência os direitos que conquistaram no contexto contemporâneo,
depois de toda uma história de eliminação, negligência, abandono e segregação,
concorrem para que a sociedade permaneça a negar-lhe o direito à diversidade, à
alteridade, à sua própria condição humana. Por isso a necessidade da reflexão
que proponho.