Deu no G1
O "pontapé inicial" de uma Copa do Mundo nunca
envolveu tanta ciência. Nesta quinta-feira (12), a cerimônia de abertura na
Arena Corinthians, que começa às 15h15, terá a participação de um jovem
paraplégico. Graças a um exoesqueleto controlado diretamente pelo cérebro, ele
poderá levantar de uma cadeira de rodas, caminhar alguns passos e dar um
simbólico "chute inaugural" do campeonato. É esse o plano traçado
pelos cientistas do projeto "Andar de novo", encabeçado pelo
brasileiro Miguel Nicolelis, professor da Universidade Duke, nos Estados
Unidos, e do Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily
Safra (IINN-ELS).
Segundo o Comitê Organizador da Copa do Mundo, ficou
decidido que este 'pontapé inicial' será realizado fora do campo de jogo, para
não prejudicar o gramado por causa do peso do equipamento.
Ao todo, a façanha reúne 156 pesquisadores de vários
países, que fazem parte de um consórcio internacional. O princípio envolvido no
funcionamento do exoesqueleto é a chamada "interface
cérebro-máquina", que vem sendo explorada por Nicolelis desde 1999. Esse
tipo de conexão prevê que a "força do pensamento" seja capaz de
controlar de maneira direta um equipamento externo ao corpo humano.
No caso do exoesqueleto do projeto "Andar de
novo", uma touca especial vai captar as atividades elétricas do cérebro
por eletroencefalografia. Quando o paciente se imaginar caminhando por conta
própria, os sinais produzidos por seu cérebro serão coletados pela touca e
enviados a um computador que fica nas costas da veste robótica.
O computador vai decodificar essa mensagem e enviar a
ordem aos membros artificiais, que passarão a executar os movimentos imaginados
pelo paciente. Ao mesmo tempo, sensores dispostos nos pés do voluntário vão
enviar sinais para a roupa especial. A pessoa, então, vai sentir uma vibração
nos braços toda vez que o robô tocar o chão. É como se o tato dos pés fosse
transferido para os braços, naquilo que Nicolelis chama de "pele
artificial".
A equipe do projeto está no Brasil desde março,
trabalhando em um laboratório montado dentro da Associação de Assistência à
Criança Deficiente (AACD), instituição parceira do "Andar de novo".
Segundo nota divulgada pela assessoria de imprensa do projeto, oito pacientes
da AACD já testaram o equipamento e, no dia 28 de maio, todos os
"objetivos científicos, clínicos e tecnológicos" foram concluídos.
Em 16 de maio, Nicolelis já havia anunciado em sua conta
no Facebook a conclusão dos testes com pacientes. "Depois de meses de
treinamento, os últimos dois pacientes andaram com a ajuda do exoesqueleto e
puderam desfrutar da sensação de andar de novo", escreveu o
neurocientista. É um desses oito voluntários que vai se encarregar do tão
esperado chute na abertura da Copa. Mas a escolha do paciente tem sido mantida
em sigilo até para os funcionários da AACD.
Críticas
Antes de chegar a esse patamar de estudo, Nicolelis
publicou em revistas científicas renomadas vários resultados envolvendo
mecanismos da interface cérebro-máquina. Em um dos artigos mais recentes, um
macaco foi capaz de controlar, só com a "força da mente", dois braços
virtuais ao mesmo tempo. Mas, até o momento, os resultados dos testes do
exoesqueleto em humanos ainda não foram publicados.
Segundo a assessoria de imprensa do projeto, os
resultados finais serão apresentados nos próximos meses, por meio de
publicações em revistas especializadas. Em entrevista à revista científica
americana "Science" publicada na semana passada, Nicolelis afirmou
que a apresentação no estádio do Corinthians não será para a comunidade
científica, mas para o público. "Esse será um show para o mundo",
declarou. "A demonstração para a comunidade científica virá em artigos,
mais tarde", completou o brasileiro.
Uma das principais críticas que a comunidade científica
tem sobre o "Andar de novo" é o fato de ele captar a atividade cerebral
por meio de eletroencefalografia. Anteriormente, Nicolelis pretendia usar
eletrodos implantados diretamente no cérebro. Questionado pela revista
"Science" sobre essa mudança, o pesquisador respondeu que mudou de
ideia depois de observar que os resultados de grupos que exploraram essa
tecnologia eram "medíocres".
"Vimos que tínhamos um novo algoritmo para a
eletroencefalografia que poderia fazer mais do que pensei no início",
disse o neurocientista. Ele acrescentou que os implantes de eletrodos realmente
funcionam melhor no caso da movimentação dos braços, mas não para locomoção.
Emoções
Levando em conta que o voluntário do projeto usará
somente o pensamento para dar o chute inaugural da Copa do Mundo, seria natural
questionar se a emoção de estar diante de uma torcida tão grande não
atrapalharia sua concentração. Segundo Nicolelis, essa dificuldade já foi
prevista durante os testes. Por isso, a equipe criou uma sala de realidade
virtual no laboratório, com a simulação de um estádio de futebol.
"Se você consegue realizar essa tarefa enquanto
escuta os fãs de futebol da Turquia, como eles fizeram, que é a torcida mais
barulhenta do mundo, essa torcida no Brasil vai ser como uma aula de escola
primária, em comparação", afirmou o pesquisador à "Science".
De acordo com Nicolelis, essa demonstração será apenas o
primeiro passo da pesquisa, que deve continuar a ser desenvolvida para que o
exoesqueleto se torne uma alternativa viável de mobilidade para pessoas
paralisadas. "Isso é apenas para aumentar a conscientização para o fato de
que temos de 20 a 25 milhões de pessoas paralisadas ao redor do mundo, e que a
ciência, se devidamente financiada e apoiada, pode fazer alguma coisa. Se
começarmos agora – e esse é apenas um chute inicial simbólico – podemos conseguir
fazer alguma coisa nos próximos anos."
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