sábado, 18 de outubro de 2014

Sem atendimento adequado, autistas são amarrados a camas em Alagoas


Michelle Farias Do G1 AL

Lidar com os sintomas mais graves em pessoas com autismo, como a agressividade, é uma preocupação comum a muitas famílias que convivem com o transtorno. Em Alagoas, a situação fica mais difícil diante de uma estrutura de diagnóstico e tratamento ainda precária. Há poucos centros de atendimento específico na rede pública estadual e, em casos extremos, os pacientes vivem amarrados em uma cama ou trancados em um quarto.


É o caso de um adolescente de 14 anos que mora no Lar Santo Antônio de Pádua, localizado no Conjunto Village Campestre, no bairro Cidade Universitária, em Maceió. Ele é autista, morava com o irmão e o pai e passava a maior parte do tempo trancado no quintal de casa. Como o pai trabalha durante o dia e não tem como cuidar do garoto, ele foi para o abrigo.

“Ele já passou por vários psicólogos e psiquiatras e foi diagnosticado com o grau mais avançado da doença. Como não temos pessoas suficientes, ele fica amarrado para não tirar a própria vida. Ele é agitado e pode bater a cabeça na parede até sangrar. Sei que é triste, mas fazemos o possível. Ele toma medicações, mas ainda assim precisa ficar amarrado. Eles são atendidos pela rede pública, mas o atendimento é muito ruim, os médicos só passam remédios”, afirma Frei José, responsável pelo abrigo.

De acordo com o Frei José, as famílias dos autistas que estão no abrigo quase nunca aparecem. "A maioria nem recebe visita. O único que recebe é o adolescente que ficava trancado no quintal de casa, mas de uns tempos para cá o pai não está vindo muito. É muito triste porque os pais não sabem como lidar com a doença e aqui nós fazemos de tudo para que eles tenham conforto, carinho e segurança", afirma.

O Estado não dispõe de nenhuma unidade de saúde especializada em autistas, mas apoia as unidades municipais e privadas. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), uma portaria publicada em 2011 estabeleceu que esse tipo de atendimento é de responsabilidade das prefeituras. "Nós prestamos consultorias e capacitamos os profissionais. Não temos nenhum centro específico para atender a essas pessoas, esse tipo de atendimento é de responsabilidade do Município", diz o gerente de Saúde Mental de Alagoas, Berto Gonçalo.

De acordo com assessoria de comunicação da Sesau, a Rede de Atenção Psicossocial do Estado de Alagoas deve incluir novos serviços para, a partir de 2015, atender a pessoas autistas junto à família e comunidade e de maneira integral.

Em Maceió, segundo a psicóloga Silvana Alcântara, da coordenação de Saúde Mental da prefeitura, oito instituições são credenciadas para atender a pessoas com autismo, mas apenas três oferecem tratamento diferenciado: dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), que inaugurou em abril deste ano o Centro Unificado de Integração e Desenvolvimento do Autista (CUIDA). As outras unidades são ONGs que possuem convênio com o Município.

"Reconheço que o atendimento não é ideal, mas essa realidade não é apenas em Alagoas, é em todo o Brasil. O município tem convênios com ONGs, mas é preciso mais locais para atender a todos os casos", avalia a psicóloga. Para quem tem autismo, cada minuto é significativo. Quando o diagnóstico é tardio, a doença piora e fica muito complexa a intervenção. Quando o diagnóstico é fechado, é possível procurar atendimento na rede pública, mas a demora nesse atendimento varia de caso para caso", afirma a psicóloga.

O atendimento a esses pacientes é composto por psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, entre outros. Entretanto, o Município não soube informar a quantidade exata de profissionais na área ou mesmo o número de vagas disponíveis e a demanda do setor. Questionada sobre possíveis melhorias no atendimento a esses pacientes, a Secretaria Municipal de Saúde também não informou se havia algum planejamento neste sentido.

O G1 visitou algumas unidades que oferecem tratamento específico a autistas. De acordo com a psicóloga e coordenadora geral do CUIDA, Fabiana Lisboa, o Centro conta com 28 profissionais divididos em assistente social, técnicos em enfermagem, psicólogos, terapeuta ocupacional, terapeuta de integração sensorial, fisioterapeuta, fonoaudiólogos, pedagogos, educador físico, musicoterapeuta, nutricionista, psiquiatra e neuropediatras.

O Centro atende a cerca de 100 pacientes por mês e aposta em uma terapia com objetivos bem definidos e em sintonia com médicos, terapeutas, família e escola, utilizando métodos específicos para o transtorno do espectro autista. O CUIDA funciona hoje com a sua capacidade máxima de pacientes, mas quem quiser pleitear uma vaga, pode entrar com o serviço social da APAE pelo telefone (82) 3435-1461.

Na Associação dos Amigos dos Autistas (AMA-AL), o principal problema apontado do tratamento na rede pública é a precariedade do sistema e a quantidade de vagas disponíveis. “Eu tenho um filho autista e senti na pele a falta de especialização. Às vezes, não é nem por má vontade, é porque a qualificação é muito cara. Sentindo a necessidade de um atendimento específico, fundamos a AMA. Tudo que temos aqui são os pais que trazem e bancam, porque não encontramos na rede pública”, afirma a presidente da associação, Mônica Ximenes.

Os pais são os primeiros a notar que alguma coisa está diferente com o filho, como um gesto não correspondido ou a falta de reação a um estímulo. Outras vezes, quem percebe que há algo errado são parentes, amigos ou professores. “Quem dá o diagnóstico do autismo é um psiquiatra e na rede pública há poucos, por isso muitos pais sofrem sem saber o que o filho tem. Justamente por falta de qualificação, muitos profissionais não fecham o diagnósticos e enchem as crianças de remédios”, alerta Mônica.

A diretora pedagógica da AMA, Silvia Costa Souza, tem um filho de cinco anos com autismo. Ela conta que morava na cidade de São Miguel dos Campos, mas teve que procurar atendimento específico em Maceió na tentativa de dar um serviço de qualidade para o filho. “Tive que procurar médicos fora e foi quando o meu filho foi diagnosticado. Soube que em Maceió tinha a AMA e não pensei duas vezes. Aqui nosso atendimento é individualizado, cada caso é pensando é bem planejado. Trabalhamos com os nossos filhos, para que eles tenham autonomia”, afirma.

Segundo Sílvia, as atividades específicas e direcionadas são fundamentais para que as pessoas com autismo conquistem essa autonomia. “Para que elas aprendam a comer de garfo e faca, uma atividade comum para crianças normais, aqui é preciso vários dias de repetições para a criança de fato aprender", diz.

Aplicativo
Estudantes e pesquisadores da Instituto Federal de Alagoas (Ifal) criaram um aplicativo para tablets direcionado a crianças que tem espectro autista. O ABC do Autismo é um jogo baseado em estudos de psicolinguística criado para facilitar a aprendizagem de crianças e jovens. Segundo o instituto, o aplicativo já foi apresentado em feiras de informática e teve boa aceitação – já teriam sido mais de 10 mil downloads na loja virtual Google Paly, onde está disponível para plataformas Android.

“São atividades que as crianças podem formar palavras, reconhecer objetos e animais. Ele teve uma aceitação muito grande e está sendo um ótimo aliado no aprendizado. Existem outros aplicativos que estão sendo desenvolvidos por alunos do Ifal para pessoas autistas e pessoas com dificuldades de aprendizado”, afirma a professora do instituto, Mônica Ximene

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