DO G1E BBC
As pessoas encaram Adam Pearson onde quer que ele vá. Mas ele se
assusta mesmo apenas quando olhares e sussurros se tornam algo mais
violento do que isso.
Nesse depoimento, ele analisa a questão de crimes de ódio contra pessoas com deficiência no Reino Unido. Veja o vídeo.
"Viver com uma face desfigurada em uma cidade movimentada como Londres significa que raramente consigo ser invisível.
Até mesmo coisas simples como pegar um metrô podem se tornar uma
jornada cheia de pessoas cochichando, olhando, apontando para mim.
Eu tenho neurofibromatose tipo 1, uma doença que faz tumores benignos
crescerem na extremidade dos nervos – no meu caso, no rosto.
Eu entendo por que me encaram. Pessoas desfiguradas são tão pouco
representadas em nossa cultura midiática que não me surpreende ver que
pessoas não sabem reagir quando nos veem.
Mas olhares e cochichos não são um crime de ódio em si, mesmo se eu
tiver que sofrer diariamente com preconceito e concepções erradas das
pessoas.
Apesar de não gostar de ser alvo de olhares toda hora, o que sofro não
pode ser rotulado como crime de ódio contra deficientes. Isso é algo
mais sério.
O termo em si é usado como se fosse algo grandioso, e mesmo assim, poucas pessoas sabem o que é.
Ele implica em ofensas criminais em que a vítima, ou outra pessoa,
acredita que tenham sido feitas por preconceito contra a deficiência ou
uma percepção de deficiência.
Mas os comportamentos que enfrento, se não forem questionados e
monitorados, podem se tornar a origem de crimes de ódio. O ato de
apontar e encarar pode rapidamente progredir para um xingamento,
sobretudo em noites em que o álcool entra na equação.
É no bar, quando estou tomando uma cerveja depois de uma semana dura de trabalho, onde me sinto mais vulnerável e exposto.
Quando as pessoas ficam bêbadas, elas gostam de me nomear. Já fui
chamado de 'paralítico', 'homem-elefante' e 'mutante deformado'. Seja o
que motive tal comportamento, isso é crime de ódio contra deficientes,
segundo a definição.
Certamente não sou o único a passar por isso.
Meu amigo Lucas também tem uma deformação no rosto. Ao crescer, também
era ridicularizado, alvo de cusparadas e agressões. Nossas escolas nunca
fizeram nada a respeito. Havia aquela atitude 'crianças são crianças', e
os professores só ignoravam tudo.
Essa é uma atitude perigosa. A escola é o lugar onde aprendemos a
interagir com o mundo à nossa volta. A pessoa que você se torna na
escola quase sempre oferece o modelo do que você será na vida. Quando
esse comportamento ocorre na 'vida real' é considerado crime de ódio,
então classificar apenas como 'bullying' nas escolas dá a impressão de
que isso não é crime para jovens.
Minha mãe costumava contar os anos de escola. 'Só mais sete até o fim',
ela dizia, e eu acordava toda manhã lamentando os dias e semanas pela
frente. Não me leve a mal - nunca fui aluno exemplar, mas me sentia
totalmente sozinho e sem apoio.
Mas essa maré está virando aos poucos, e escolas estão levando o
bullying muito mais a sério do que há 15 anos, quando eu era estudante.
Como parte do meu trabalho na organização de caridade Changing Faces
(mudando rostos, em tradução livre), vou a escolas e converso com
alunos. Quero ensinar pessoas sobre deficiência enquanto ainda são
jovens, para que saibam o impacto que palavras e gestos podem ter.
Pessoas podem pensar que eu preciso apenas ser mais durão, mas acredito
que essa atitude é parte do problema. Quando um crime de ódio contra
deficientes acontece, seja nas formas mais amenas que consumo vivenciar
ou de maneiras mais violentas, quase nunca ele é tratado seriamente como
outros crimes de ódio.
Isso fica ainda mais claro ao analisarmos as leis sobre o assunto.
Leis sobre crimes de ódio protegem cinco minorias por critérios de
raça, religião, orientação sexual, transgênero e deficiência. Mas há
leis diferentes para cada grupo, e a deficiência não integra certas
leis.
Crime de ódio contra deficientes é considerado uma ofensa simples,
enquanto crimes de ódio de cunho racial e religioso são ofensas graves.
Isso significa que se alguém me atacar porque sou deficiente, o juiz
tem a opção de aumentar a pena do réu em até seis meses, mas se for um
caso de ataque racial, por exemplo, a sentença pode aumentar em até dois
anos.
Adam Pearson quando era criança (Foto: BBC)
Quando descobri isso me senti frustrado, e me sinto assim até hoje. Eu luto para entender como isso pode ser igualdade.
Mudar leis é algo difícil, e atitudes podem ser transformadas de
maneira mais fácil. Ao expor pessoas a deficiências, você pode conter as
atitudes delas a respeito, e eu participei de um experimento recente
com Miles Hewstone, professor de psicologia social na Universidade de
Oxford, para demonstrar isso.
Nós conduzimos um teste de 'atitude implícita', que mede o viés
inconsciente das pessoas contra pessoas desfiguradas, e os resultados
mostraram altos níveis de preconceito inato.
Depois do teste as pessoas passaram uma hora comigo, conhecendo-me
melhor e fazendo perguntas. Depois, fizeram o teste novamente para
verificar se os resultados tinham melhorado - nove entre dez deles
melhoraram.
Acredito que as pessoas são capazes de grandes mudanças. O preconceito
nasce do medo, e se pudermos aumentar a educação e a visibilidade de
pessoas com deficiências, isso irá aumentar a familiaridade e também
reduzir o nível de hostilidade contra deficientes no Reino Unido.
Acho que isso poderia afetar diretamente os níveis de crimes de ódio
contra deficientes. Às vezes, como um ativista, é fácil se sentir como
uma gota no oceano, mas sem as gotas não haveria oceano nenhum."
Adam Pearson é o tema principal do documentário The Ugly Face of
Disability Hate Crime ("A Face Assustadora do Crime de Ódio a
Deficientes", em tradução livre), transmitido na quinta-feira pela BBC
3.
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