Aos dois anos, Gabrielle luta para melhorar a cada dia como tantas
outras crianças diagnosticadas com microcefalia. A reabilitação é feita
em casa, num cantinho feito pelos pais na sala, e sob a orientações de
profissionais. Movimentos simples de fisioterapia e estímulos cognitivos
ajudam a pequena a desenvolver algumas funções. Em meio ao estado de
alerta emitido pelo Ministério da Saúde, crianças e famílias se apegam
nos acompanhamentos para minimizar as complicações oriundas da má
formação cefálica.
Os pais de Gabrielle, a administradora Dayanne Queiroz, 29 anos e o
tenente-coronel da Polícia Miliar Israel Moura, 45, fazem o que podem
para melhorar a qualidade de vida da filha. Consultas particulares, que
chegam a R$ 500, uma cama de casal montada no meio da sala e uma tabela
pregada na parede com o cronograma de alimentação fazem parte da rotina
do casal desde o nascimento da bebê. "Até o apartamento foi pensado
nela. Mesmo estando próximo de uma comunidade considerada perigosa, ele é
ótimo porque fica no térreo, a locomoção fica mais fácil", conta
Israel.
Diagnostica também com síndrome de Dandy-Walker - outra má formação
congênita que afeta o cerebelo e os fluidos que o rodeiam - Gabrielle
tem comprometimentos na coordenação motora e no equilíbrio. "No mesmo
dia do parto, durante a noite, foi solicitada a presença da
neuropediatra para avaliar as condições, porque a expectativa de vida
que deram para Gabrielle foi de apenas 24 horas. A médica fez alguns
exames clínicos rápidos e a medição do crânio. Foi quando atestou e
anexou ao prontuário o diagnóstico fechado de microcefalia", alega a
mãe.
Na ocasião, sem apoio de nenhuma instituição e desorientados, Dayanne e
Israel resolveram pesquisar e procurar terapias que ajudassem a filha a
enfrentar a complicação. As consultas com profissionais como a
neurologista e fonoaudióloga são particulares. A fisioterapia, que é
paga pelo plano, trabalha com Gabrielle muito pouco tempo por sessão,
informam os pais. Por isso, resolveram montar uma espécie de micro
reabilitação dentro de casa. São bolas de pilates, tapete de ioga e
massageador. Tudo para aliviar e estimular a pequena. "A fisioterapeuta
disse que isso agilizaria o processo. Então, estamos sempre mexendo com
ela [Gabrielle]. Quando não sou eu é meu marido", conta Dayanne.
O casal tenta desenvolver não apenas a parte motora, mas também a
intelectual. Músicas, sons e brincadeiras que estimulem a parte
cognitiva de Gabrielle. "Cantamos para ela, fazemos perguntas, pedimos
para ela procurar algo. Tudo isso para ajudar. Ela é o meu amor que eu
carrego nos braços e por isso não vamos parar de tentar melhorar",
garante a mãe.
Diagnóstico recente
A pequena Emyle Sofia, de apenas um mês, recebeu o diagnóstico de
microcefalia na manhã de sexta-feira (13). Em choque, a mãe Girlânia
Maria da Silva, 29 anos, agradecia o fato de a filha estar viva. A dona
de casa, assim como outras tantas que tiveram seus filhos nesse período
de alerta, enfrentem uma enxurrada de informações sobre o acompanhamendo
da má formação e orientações que devem ser tomadas. Instituições de
referência frisam a importância da reabilitação para para ajudar essas
crianças a alcançar as devidas etapas do desenvolvimento motor e
cognitivo.
Para mim é o suficiente, o que vier pela frente Deus proverá. Eu não
faço ideia de como será minha vida daqui para frente, mas uma coisa é
certa, ela terá todo o amor e apoio que eu puder dar”, diz Girlânia.
Emyle agora passará por uma série de acompanhamentos na sede da
Associação de Assistência à Criança com Deficiente (AACD) de Recife, na
área central da capital pernambucana. A bebê será atendida por diversos
profissionais como neuropediatras, fonoaudiólogos e fisioterapeutas até
que o quadro evolua e se saiba para quais funções ela vai precisar de
uma atenção maior. “Eu também estou pesquisando muito para tentar
descobrir o que aconteceu para ela nascer assim e o que posso ajudar
minha filha”, conta Girlânia.
Saudável, a mãe de Emyle não consegue entender o que pode ter ocorrido
durante a gravidez para a filha apresentar tal diagnóstico. “A gestação
foi perfeita, tudo certo. Nunca tive dengue ou chikungunya, como estão
querendo associar à causa. É algo inexplicável, porque eu nunca tive
nada e ela nasceu assim”, desabafa.
Levando amor nos braços
Incansável, Keylla de Barros, 31, dona de casa, carrega Andrew nos
braços há 12 anos. “Eu posso pegar ele 20 vezes ao dia, mas a dor que eu
sinto na coluna vale a pena quando eu vejo o sorriso dele. As pessoas
costumam não entender esse amor”, relata emocionada. Além de ser
diagnosticado com microcefalia, Andrew ainda tem dificuldades motoras,
cognitivas e de fala.
A expectativa de vida dada à Andrew quando ele nasceu foi de apenas
seis anos. Aos 12, a mãe comemora cada vitória como se ele fosse um
super herói, como ela gosta de chamá-lo. “Esse ano fiz o aniversário com
o tema 'Super Andrew' porque ele é um vencedor, luta todo dia para
continuar vivo”, lembra.
Sobre o aumento no número de casos e a atenção que a situação que está
recebendo do governo, Keylla acredita que algo de bom pode ser tirado
disso tudo. “Na época que eu tive Andrew, a microcefalia era algo quase
desconhecido, lembro que fiquei perplexa quando a médica me contou,
fiquei sem rumo. Espero que com todo esse foco, as causas sejam
descobertas e o atendimento desses pacientes melhore. Já é muito difícil
para mãe assimilar tudo isso e ainda entender o que está acontecendo”.
O jovem rapaz recebe acompanhamento de ortopedistas, nutricionistas e
neuropediatras na AACD. Porém, o trabalho continua em casa com
exercícios e estímulos. “É preciso exercitar todas essas funções sempre,
para que o cérebro receba esses estímulos e vá se desenvolvendo
normalmente. Sem isso, o cérebro atrofia e voltamos à estaca zero”,
alega.
A vontade de ver o filho andar e se comunicar como qualquer criança é
enorme, mas Keylla diz que não adianta forçar para alcançar resultados.
“Em casa eu vou trabalhando com ele devagar. Ele me diz quando não quer e
eu preciso respeitar, tenho que ir no limite dele porque se continuar
assim posso quebrar uma perna, um braço. Respeito é a palavra”.
Mesmo com todas as complicações, Keylla menciona que o preconceito é um
mal que impacta muito mais do que se imagina. “Através do conhecimento
que você vai se adaptando a rotina, mas o preconceito é a pior parte”,
desabafa.
Bastante emocionada, ela fala das dificuldades de criar uma criança
especial, mas que nunca reclamou da função de cuidar do filho 24h. “Ele é
o melhor ser humano que eu conheci. Agradeço a Deus por confiar em mim
para trazê-lo ao mundo. Eu o gerei, Deus me deu esse amor e as pessoas
não entendem isso. Você precisa olhar além do diagnóstico, tem que olhar
a qualidade da pessoa e o que ela faz para superar a doença”, diz.
AACD
Para a supervisora de reabilitação da instituição, Ana Patrícia
Montebello, a microcefalia é uma “caixinha de surpresa”. “A gente recebe
o bebê e muitas vezes não conseguimos fechar um tipo de acompanhamento
porque não sabemos como o paciente vai evoluir”, conta. A fisioterapeuta
ainda menciona que, geralmente, devido o grau de lesão do cérebro, o
diagnóstico está associado a um atraso motor, cognitivo e comunicativo.
Os profissionais preferem falar em 'reabilitação' em vez de
'tratamento'. Dessa forma, Montebello alerta para a prática dos
estímulos. “Sabemos que o cérebro humano não nasce totalmente formado. A
gente tenta fazer com que essa criança faça mais conexões neuronais”,
frisa.
A AACD é especialista em desenvolvimento motor e de acompanhamento
fisioterápico. Para isso, dispõe de uma equipe médica formada por
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, pedagogos, neurologistas,
fisiatras, urologistas, ortopedistas cardiologistas, oftalmologistas e
geneticistas. “Nosso objetivo é ajudar essa criança a adquirir as etapas
do desenvolvimento. Temos a obrigação de saber como são essas fases e o
que a minha criança está precisando para atingir aquelas atividades”,
explica Montebello.
Em busca disso, o primeiro passo é a avaliação para saber qual o nível
de atraso da criança e o que a instituição pode fazer para ajudar a
alcançar. Para passar pela triagem é necessário que se apresente o CPF
da mãe, a certidão de nascimento do paciente, comprovante de residência e
laudo médico encaminhando para a AACD. “A instituição é muito série e
nós só atendemos o que sabemos fazer. Vemos que cada caso é um caso”,
completa a supervisora.
Fonte G1