Adolf D. Ratzka
Diretor do Instituto de Vida Independente, Estocolmo, Suécia.
A Europa compreende trinta nações diferentes, com grandes variações
entre si no que se refere à economia, cultura, religião e sistemas
políticos. Meu enfoque limita-se aos avanços na Europa Ocidental e do
Norte. Em vez de fazer uma descrição e uma análise completa de cada um
dos países aí incluídos, usarei exemplos de vários países para ilustrar
as mudanças.
Sociedade inclusiva é uma sociedade para todos, independentemente de
sexo, idade, religião, origem étnica, raça, orientação sexual ou
deficiência; uma sociedade não apenas aberta e acessível a todos os
grupos, mas que estimula a participação; uma sociedade que acolhe e
aprecia a diversidade da experiência humana; uma sociedade cuja meta
principal é oferecer oportunidades iguais para todos realizarem seu
potencial humano. Limitar-me-ei a discutir pessoas com deficiências, mas
é importante lembrar que algumas das estratégias para a construção de
uma sociedade inclusiva serão as mesmas para todos os grupos atualmente
prejudicados, os quais podem provocar as mudanças políticas necessárias
com mais rapidez, trabalhando juntos e apoiando-se mutuamente. Muitos
termos têm surgido relativos à deficiência: reabilitação, integração,
normalização, plena participação, igualdade, inclusão, todos focalizando
o indivíduo. O indivíduo deve ser reabilitado, integrado, incluído,
tornando-se normal. Em muitos desses conceitos ele é visto como objeto
passivo de uma intervenção profissional. Não temos voz para dizer como
desejamos ser reabilitados e nos tornar normais, e para que fim. O
indivíduo carrega o problema. O fato de eu não poder subir escada é
culpa minha e não do legislador, que não prescreveu rampas e elevadores.
É problema do surdo não entender o noticiário na TV, não do canal de
televisão, que não fornece texto escrito nem linguagem de sinais.
O
termo "sociedade inclusiva", por outro lado, coloca a sociedade como
aquela que deve mudar.
Pelo mesmo motivo, não gosto da expressão "portador de deficiência".
Ser "deficiente" é desviar-se de uma norma. O que é "humano` para a
condição humana? Quem decide isso? Homens de 20 a 40 anos ou bebês de um
ano? Pessoas com 70 anos ou mulheres grávidas no ônibus, com muitas
sacolas de compras na mão e uma criança de três anos, cansada, na outra?
"Deficiente" é um termo absoluto e global. Precisamos de palavras que
descrevam nossas limitações em atividades particulares e que apontem a
possibilidade de compensar essas limitações. Eu trabalho na Organização
Mundial de Saúde com essa finalidade. Mas, não importa o termo que
usemos em referência a nós mesmos, devemos revesti-lo de conteúdo
positivo. Precisamos ter orgulho de pertencer a uma minoria sem
privilégios, que trabalha muito e com eficiência, num esforço global
crescente, no sentido de melhorar seu status legal e material no mundo.
Outros grupos já fizeram isso antes de nós. Por exemplo, negros e
homossexuais nos Estados Unidos e na Europa já conseguiram mudar,
lentamente, as conotações negativas desses termos.
Não importa sobre a inclusão de qual grupo estejamos falando, existem
fatores que facilitam a inclusão na sociedade, alguns deles
indispensáveis: são as provisões para o bem-estar em geral. Isso
significa um sistema de instituições públicas protegidas pela lei e
supervisionadas pelo processo político, que garantam a todos:
a) serviços de saúde pública, incluindo serviços de prevenção, tratamento e reabilitação, e provisão de recursos de assistência;
b) educação obrigatória desde o jardim de infância até os 18 anos, pelo menos, dirigida para o potencial do indivíduo;
c) apoio financeiro na forma de pensões, compensações e bem-estar
social para os que não podem trabalhar devido à idade, doença,
deficiência ou condições do mercado de trabalho;
d) uma política de mercado de trabalho com instrumentos e programas
de treinamento vocacional, colocação e treinamento no emprego;
e) uma política de mercado de habitação que garanta habitação segura e com instalações sanitárias para todos.
Além dessas provisões gerais para o bem-estar, há necessidade de
políticas públicas e instrumentos políticos para investimentos em
infra-estrutura, como transporte, telecomunicações, mídia e cultura, com
acesso igual para todos.
Sem tais políticas públicas, em minha opinião, será impossível
atingir uma sociedade inclusiva. Sem aumentar o nível de bem-estar para
todos, é difícil melhorar as condições de vida de grupos minoritários,
que ainda não tiveram acesso à sociedade. Isso é verdade em todos os
países. Trabalhar para uma sociedade inclusiva, portanto, é um projeto a
longo prazo para muitas gerações, mas devemos começar esse trabalho
hoje!
Surge freqüentemente o argumento de que nossas sociedades não podem
investir em mudanças de longo alcance, necessárias para que todas as
minorias sejam totalmente incluídas. Temos o desafio de apresentar
estudos provando que tais investimentos são lucrativos para a sociedade.
Existem estudos demonstrando que muitos investimentos na área de
inclusão de pessoas deficientes levam a economias futuras para a
sociedade, que ultrapassam em muito seus custos. Entretanto, devemos ser
cuidadosos. Exigimos serviços de saúde adequados, moradia na comunidade
em vez de em instituições, oportunidades educacionais e emprego. Esses
são direitos humanos básicos. Direitos humanos não devem ser discutidos
em termos de custos ou de lucros.
Além disso, há outros ganhos que não os meramente econômicos. Quando
uma distribuição de renda muito desigual cria inveja e ódio, quando a
avenida do progresso individual na sociedade está fechada para a maioria
devido ao sexo, cor da pele ou defi ciência, quando muitos vêem o crime
como a única saída para ter condições de vida decentes, quando nem
arame farpado, nem segurança, nem recursos eletrônicos são suficientes
para fazer com que os ricos se sintam protegidos, quando até os pobres
temem que alguém mais pobre e mais desesperado possa tomar o pouco que
possuem - numa sociedade assim, qualquer investimento em mais igualdade
será benéfico para todos. Da mesma forma, viver numa sociedade em que
deficiente algum tenha de pedir esmolas na rua, em que deficientes não
sejam confinados em instituições e possam viver com a família ou
sozinhos, ou constituir sua própria família, em que deficientes possam
educar-se e trabalhar da mesma forma que seus irmãos e irmãs, amigos e
vizinhos nãodeficientes, viver sabendo que uma deficiência não é uma
catástrofe para o indivíduo e sua família, isso eleva a qualidade de
vida para todos.
Além das provisões gerais para o bem-estar que acabo de enumerar, as
exigências para uma sociedade que inclui pessoas com deficiências
referem-se a um planejamento global de tudo aquilo que se relaciona com
transporte, construções, ferramentas e instru mentos, informações,
comunicações, mídia e cultura. Devem ser abolidas leis e regulamentações
que distinguem indivíduos com deficiências e os excluem de direitos
civis como casamento, filhos, voto, trabalhar como jurados, gerir
negócios etc.
Mas, mesmo após todas essas mudanças, ainda haverá pessoas que, para
exercer todas as funções, precisam de serviços de assistência pessoal,
como eu, ou de leitores, no caso de serem cegas, ou, ainda, de
intérpretes de sinais, se tiverem dificuldades de audição.
Minhas próprias experiências durante a vida ilustram muitas das
mudanças em direção a uma sociedade inclusiva na Europa. Tive
poliomielite aos 17 anos. Isso foi na Alemanha, em 1961. Fui
hospitalizado imediatamente. Desde então, tenho lutado, no meu
desenvolvimento pessoal, para voltar à sociedade de forma plena.
Tentarei estruturar minha exposição sobre o caminho rumo a uma sociedade
inclusiva na Europa, usando, como ilustração, parte de minha própria
biografia.
Quando tive poliomielite, todo o tratamento médico foi gratuito. O
sistema de seguro de saúde na Alemanha faz parte do sistema de seguro
social, iniciado em 1870. A Alemanha teve o primeiro sistema de seguro
social nacional e tem influenciado vários países, entre os quais o
Chile, primeiro país latino-americano a adotá-lo, na década de 20. A
razão pela qual a Alemanha implantou um sistema tão progressista no
governo conservador do Chanceler Bismarek foi a da influência crescente
do movimento socialista e social-democrata na Europa, como mostram os
movimentos de 1848 e o levante de Paris, em 1870. Temendo que o Partido
Social-Democrata chegasse ao poder na Alemanha, Bismarek adotou a idéia
social-democrata de um seguro social nacional como se fosse sua. Dessa
forma, os conservadores conseguiram manter-se no poder por mais algumas
décadas.
O sistema de seguro social tem sofrido muitas mudanças desde, então, mas consiste, basicamente, nas seguintes soluções:
a) participação compulsória;
b) companhias de seguro semipúblicas, rigidamente controladas pelo Estado; c) pagamento igual para todos em prêmios de seguro;
d) benefícios e serviços pagos sem que se considere a renda do segurado;
e) 50% dos custos cobertos pelo segurado e 50% pelo empregador, a família do segurado sendo incluída no seguro;
f) seguro-desemprego.
Esse mesmo princípio rege seguro de saúde, aposentadoria e
aposentadoria precoce, indenização de trabalhadores, salário-desemprego,
férias, licença médica e licença-maternidade.
Os sistemas escandinavos diferem num aspecto muito importante: são
financiados por impostos. Assim, quanto mais alta a renda, maior a
contribuição ao seguro social. Mas os serviços e os pagamentos são
baseados na necessidade, e não na renda. Para grupos de baixa renda, os
modelos de bem-estar escandinavos são vantajosos, pois suas
contribuições não representam um fardo tão pesado para a renda familiar,
como acontece em outros países. Além disso, o conceito é mais intuitivo
e mais simples de administrar: todos os que vivem no país estão
automaticamente segurados desde o nascimento e contribuem através do
imposto de renda. Infelizmente, hoje existem pressões para que os
governos examinem o sistema de seguro, pois o número de cidadãos em
faixa etária produtiva nos países europeus tem diminuído, enquanto o
número de pessoas acima de 65 anos tem aumentado constantemente,
ameaçando o futuro econômico do sistema.
O seguro de saúde também é responsável pelos recursos de assistência.
Lembrome de quando recebi minha primeira cadeira de rodas elétrica.
Ainda estava morando na enfermaria do hospital, mas a cadeira me
permitia sair da área do hospital para passeios curtos no mundo normal
lá fora.
Tive de ficar cinco anos no hospital, não porque precisasse de
assistência médica, mas devido à falta de moradia acessível. Naquela
época, tanto na Alemanha quanto no resto da Europa, não havia programas
de moradia para pessoas com deficiência. Defici entes ricos construíam
ou adaptavam residências com seus próprios recursos. O resto tinha de
viver em instituições.
Foi somente na década de 70 que moradia acessível passou a ser
discutida na Alemanha, como parte do programa social de moradia
subvencionada pelo Estado. Mas isso acontecia apenas se o construtor
quisesse incluir alguns apartamentos acessíveis. O pro grama não era, e
ainda não é, obrigatório. Na Suécia, em 1978, foi promulgada uma lei
estipulando que, nos prédios residenciais de três andares ou mais, todas
as unidades deveriam ser acessíveis, segundo definições operacionais
muito específicas. Na década de 80, vivi num apartamento assim. De
acordo com a lei, não havia degraus entre o passeio e a entrada do
prédio e o elevador. Este era suficientemente grande para acomodar até
cadeiras de rodas maiores. Banheiros e cozinhas eram espaçosos. Mas
minhas visitas estrangeiras ficavam desapontadas porque não viam nada de
especial. Por exemplo, não havia rampas na entrada do prédio, porque a
construção não tinha degraus. Também perguntavam: "Quantos outros
deficientes físicos moram neste prédio?". Eu explicava que era a única
pessoa e que todos os apartamentos tinham as mesmas características de
acesso, independentemente de quem ali morasse. A única coisa que
importava era a data da licença do prédio. A partir de 1978, todos os
apartamentos tinham de ser assim. Infelizmente, a lei tinha disposições
muito fracas. Na década de 90, essa lei foi substituída por outra, que
dá certa liberdade ao governo local para definir acessibilidade, e
existem muitas moradias inacessíveis para usuários de cadeira de rodas.
A Suécia é um dos poucos países europeus que têm códigos de
construção prescrevendo acesso a edifícios públicos, como prédios do
governo, escolas e universidades, escritórios comerciais e teatros. No
entanto, esses códigos aplicam-se apenas a constru ções novas e não a
prédios já existentes. Além disso, a lei que surgiu nos meados dos anos
60 também tem disposições muito fracas, e é, muitas vezes,
negligenciada. Argumenta-se freqüentemente que nem mesmo os países ricos
podem custear uma legislação que determina construções acessíveis.
Conheço alguns estudos sobre os custos. São mais caras as adaptações
retroativas de moradias existentes de uma só família, se for necessário
um elevador. Mas adaptar apartamentos é consideravelmente menos
dispendioso, pois o custo dos elevadores pode ser dividido entre os
muitos moradores. Não custa muito adaptar prédios públicos, a menos que
sejam herança histórica, principalmente se o trabalho for feito
juntamente com reformas gerais. Nesse caso, haverá um custo adicional
de, talvez, 10% a 15% para incluir o acesso. Obviamente, fica mais
barato incluí-lo desde o início do planejamento. Assim, todos os custos
de adicionais, como rampas e mudanças estruturais, serão evitados. Em
prédios públicos, custos de acesso são mínimos, se este for incorporado
no início. Em edifícios de apartamentos novos, o acesso representa um
acréscimo de 1%, ou menos. Em casas, o elevador, o banheiro e a cozinha
serão um pouco maiores, o que deve ser visto como aumento de padrão.
Vamos voltar à minha história. Mesmo se houvesse uma moradia
acessível, eu não poderia deixar o hospital. Precisava de ajuda de outra
pessoa para tomar banho e me vestir, preparar as refeições e
auxiliar-me em várias outras coisas durante o dia. Minha família não
podia fazer esses serviços. A assistência pessoal e o dinheiro para
custeá-la não eram fornecidos pelo governo. Eu corria o risco de ser
colocado numa instituição da qual, talvez, jamais pudesse sair. O mais
provável é que morresse depois de cinco a dez anos, como muitos outros
deficientes que encontrei na Alemanha e em outros países, colocados em
instituições e condenados a uma vida sem controle sobre seu cotidiano,
sem oportunidade de realizar todo o seu potencial, constituir sua
própria família, trabalhar e se tornarem membros respeitáveis da
sociedade. É essa falta de esperança, e não apenas a negligência ou o
abuso direto, que contribui para a alta taxa de mortalidade em
instituições de todo o mundo.
Tive sorte. Em 1966, ganhei uma bolsa de estudos e consegui entrar
para a universidade. Naquela época, entretanto, não havia universidades
européias que aceitassem alguém precisando de uma cadeira de rodas
pesada e de moradia acessível. Assim, tive de morar na Califórnia e
continuar minha educação lá. Nos Estados Unidos, devido aos muitos
veteranos da Guerra da Coréia, havia várias universidades acessíveis. Em
poucas semanas, mudei-me da enfermaria do hospital, na Alemanha, para
um dormitório comum de estudantes em Los Angeles. E minha necessidade de
assistência pessoal? Foi surpreendentemente simples. A bolsa de estudos
permitia-me contratar colegas para trabalharem para mim algumas horas
por dia. Eu mesmo selecionava, treinava e despedia os estudantes.
Ainda é difícil para deficientes cursar universidades na Europa. As
mais novas são acessíveis, na sua maioria. Mas não existem leis que
obriguem as universidades existentes a tornar seus prédios acessíveis a
todos os alunos. Também é o caso da Suécia, onde a escolha da área de
estudos depende não apenas de seus interesses, mas do número de degraus
entre o nível da rua e as salas de aula. Outro motivo pelo qual alunos
deficientes são mal representados nas universidades é a falta de
legislação abrangente que nos garanta acesso às escolas primárias e
secundárias normais. Em vez disso, a maioria vai para escolas de
educação especial, que não têm o mesmo padrão acadêmico das regulares.
Em 1973, voltei à Europa. Pretendia coletar dados para minha tese de
doutorado na Suécia. Fiquei surpreso: consegui moradia estudantil
acessível sem problemas. Entretanto, não encontrei solução para o
problema de transporte. Não podia levar para a Europa minha minivan,
adaptada para mim, e que eu dirigia sozinho. Não havia ônibus acessíveis
em Estocolmo na época, e ainda não há em 1999! Outras cidades européias
começaram a substituir sua frota de ônibus inacessíveis no início dos
anos 80. Mas tratava-se de uma iniciativa municipal e não o resultado de
uma legislação de alcance nacional. A solução técnica é fazer,
principalmente, ônibus mais baixos combinados com plataformas elétricas
curtas e levadiças, ou rampas elétricas operadas pelo motorista. A União
Européia determinará, entre outras coisas, o grau de acesso que todos
os ônibus devem ter no seu território.
Nesse campo, prevêem-se mudanças na Suécia, num futuro não muito
distante. Em primeiro lugar, esperamos que a União Européia adote
medidas legais de combate à discriminação de deficientes, tornando
ilegal a falta de acesso em meios de transporte. Também vislumbramos
mudanças na atitude de alguns políticos suecos, que ficaram
impressionados com os rápidos resultados da Lei de Deficientes
Americanos, ADA, e a eficácia de uma legislação antidiscriminação.
Após terminar meu curso, em 1980, havia um instituto de pesquisa
procurando alguém exatamente com minhas qualificações, mas não me
inscrevi. O instituto localizava-se num famoso edifício histórico, com
vários lances de escada. Naquela época, não havia leis que obrigassem o
empregador a considerar apenas minhas qualificações para o cargo e não
as adaptações que seriam necessárias no prédio. Hoje, eu ainda não
conseguiria o emprego, apesar da promulgação, em maio de 1999, de uma
lei sueca que proíbe a discriminação no mercado de trabalho. A lei é
eficaz no sentido de exigir provas do empregador de que ele não está
discriminando um candidato com base em alguma deficiência física.
Entretanto, semelhante à ADA, exige que o empregador faça apenas
"adaptações razoáveis", o que, certamente, não inclui a instalação de
elevadores em edifícios históricos.
Em 1973, quando me mudei para a Suécia, a taxa de desemprego entre os
deficientes era extremamente alta. Hoje, ainda está em torno de 70%.
Entre a população em geral, ela é de 8%, aproximadamente, apesar de
vários programas governamentais de reabilitação vocacional, treinamento
no emprego, oferta de tecnologia auxiliar e assistência pessoal no
trabalho, incentivos aos empregadores de até 90% do salário de
empregados deficientes e assim por diante. Em países europeus com o
sistema de quotas, a situação não parece melhor. Na Alemanha, por
exemplo, companhias de médio e grande porte devem ter 7% de deficientes
entre seus empregados. Uma pessoa com deficiências iguais às minhas
corresponderia a três ou quatro pessoas deficientes. Os empregadores que
não preenchem suas quotas têm de pagar uma multa, destinada a um fundo
para custeio de tecnologia auxiliar e adaptações no local de trabalho. A
maioria dos empregadores, incluindo o Ministério do Trabalho, prefere
pagar a multa a empregar deficientes. A multa passou a ser considerada
como um imposto a mais.
Faço restrições também de cunho ideológico ao sistema de quotas, que
manda mensagens erradas aos deficientes e aos possíveis empregadores. Na
verdade, o sistema diz que existem pessoas cujo desempenho não é tão
bom quanto o de outras, mas o empregador é forçado a admiti-Ias, pois,
de outra forma, ficariam desempregadas. Essa mensagem é destrutiva para
nossa imagem e auto-estima. Algumas pessoas podem conseguir um emprego
dessa forma, mas o custo psicológico para o grupo é gigantesco!
Nos primeiros anos na Suécia, tive uma bolsa que usei para pagar meus
assistentes pessoais na Califórnia. Mas, quando o dinheiro acabou, tive
de me inscrever no auxílio-moradia da cidade de Estocolmo. Nesse
sistema, os auxiliares são enviados à sua casa por um assistente social
que trabalha para a cidade. Como usuário dos serviços, você não controla
quem virá, a que horas, trazendo o que para ajudá-lo e como irá
trabalhar. O usuário não é o patrão, o que toma decisões, mas o objeto, a
figura menos importante de uma burocracia enorme. Em 1984, fundei uma
pequena organização em Estocolmo, a fim de persuadir o governo municipal
a nos fornecer meios de começar um projeto-piloto. Queríamos a quantia
de dinheiro correspondente ao custo do auxílio recebido em casa. Com
esse dinheiro, pretendíamos criar nosso próprio sistema, sabendo que
poderíamos fazer um trabalho melhor, por conhecer nossas próprias
necessidades mais do que os assistentes sociais municipais. Levamos
vários anos para vencer a oposição, vinda de muitas partes. Em 1987,
finalmente, conseguimos iniciar nosso projetopiloto. Foi um sucesso tão
grande que, em 1994, o parlamento criou uma lei garantindo o pagamento
em dinheiro a deficientes necessitados de ajuda pessoal.
Sei que é difícil para vocês entender plenamente o significado de
minhas palavras. Em seu país, para começo de conversa, poucas pessoas,
deficientes como eu, sobrevivem. Os que são ricos conseguem ajuda em
casa, paga pela família. Aqueles cuja família não é rica ou não se
importa com eles podem ter a sorte de encontrar uma instituição. Como já
disse, as pessoas não vivem nessas instituições: apenas sobrevivem. Em
seu país, as pessoas que precisam de muita ajuda são consideradas um
fardo para a família. Muitas vezes, crianças deficientes ficam com os
pais até eles não conseguirem mais fazer o trabalho, devido à idade.
Na Suécia, pessoas como eu conseguem dinheiro do sistema de seguro
social, que permite contratar assistentes pessoais 15 horas por dia.
Dessa forma, posso trabalhar e viajar. Essas horas de ajuda tornam-me
independente de minha mulher, assim como outros maridos suecos.
Dividimos o trabalho doméstico. Faço minha parte através dos
assistentes.
Mesmo em um ambiente totalmente acessível, ainda haverá pessoas como
eu, que necessitam de serviços de assistência pessoal. A ajuda pessoal
pode ser a chave para uma vida plena, com todas as responsabilidades que
temos como membros de uma fa mília e como cidadãos. Uma sociedade
inclusiva, no verdadeiro sentido da palavra, deve fornecer serviços de
assistência pessoal como um direito humano básico.
Minha mulher tem sua carreira profissional, eu tenho a minha. Sem o
meu sistema de ajuda pessoal, nunca consideraríamos a possibilidade de
ter uma criança. Hoje, somos pais orgulhosos de uma menina de cinco
anos. Essa é a minha mais bela razão para trabalhar por uma sociedade
inclusiva.
FONTE- http://www.independentliving.org/docs6/ratzka199911.html