por Vandeck Santiago
Do Diário de Pernambuco
No final da tarde, no Marco Zero, alguns
jovens skatistas faziam manobras, um homem vendia pipocas doce e
salgada, dois vendedores de picolé procuravam sombra para aguardar
fregueses, turistas tiravam fotos, namorados abraçavam-se nos bancos de
cimento e três senhoras passeavam com um bebê. Tudo ali era rotineiro
numa cena comum no Marco Zero, menos a criança com as três senhoras: era
um bebê com microcefalia. Talvez não tenha sido o primeiro a ser levado
para passeio no local, mas foi o primeiro que eu vi lá. De repente foi
como se todas estas manchetes que a gente vê diariamente nos jornais
ganhassem vida, proximidade física em ambientes onde antes não era
vista. Da cena ficou a certeza de que a geração dos bebês com
microcefalia já está incorporando-se à nossa paisagem. Não se trata de
um caso aqui, outro acolá, e sim de uma geração. Vamos vê-los no Marco
Zero, nas praças, nos shoppings, nas ruas, nos hospitais, em todo lugar.
Vamos dividir o nosso mundo com eles - e a melhor coisa que podemos
fazer é trabalhar nas adaptações necessárias para recebê-los bem, com
dignidade e atenção.
Em todo o Brasil temos por enquanto 4.107
casos suspeitos de microcefalia, sob investigação. Há outros 583 já
confirmados (a quase totalidade deles no Nordeste, 568). Em Pernambuco
são 1.188 em investigação e 209 confirmados. Os números são do último
Informe Epidemiológico de Microcefalia, divulgado em 20 de fevereiro. Se
o problema fosse estancado hoje, estes números já seriam impactantes.
Como sabemos, tendem a aumentar.
São crianças que, de acordo com
os especialistas, precisarão de cuidados a vida inteira. De atendimento
multidisciplinar de saúde, dependendo das dificuldades que forem
apresentando: ortopedista, fonoaudiólogo, neurologista, oftalmologista…
De atendimento especializado também na área de educação. Uma série de
exigências para a qual o país e os estados deverão começar a agir
imediatamente, segundo os especialistas.
Porque hoje estamos na
primeira etapa da questão, aquela em que “chegam” os bebês. A seguir vem
a outra etapa: a de quem vai cuidar deles à medida que cresçam, e como.
Temos uma geração inteira chegando para ocupar um espaço que ainda não
está preparado para a ocupação. Já tivemos, no passado, problemas na
mesma área, como a da paralisia infantil. Hoje estamos na 36ª campanha
nacional de vacinação contra a poliomelite e nos últimos dez anos não
ocorreu no Brasil nenhum caso de paralisia infantil.
Na busca de
soluções e do tratamento adequado, a melhor coisa para qualquer demanda é
ganhar visibilidade. É aí que a imprensa pode ter destacado papel,
investigando a situação sem tornar-se simples retransmissora das
informações oficiais. Dando voz à legião de pais e mães que passaram a
ter de lidar diretamente a situação. E colocando rostos e histórias na
frieza das estatísticas, como fez ontem o Diario com o caderno especial
Zika vírus - uma ameaça mundial, de autoria das repórteres Silvia Bessa e
Alice de Souza, com fotografias de Rafael Martins e Paulo Paiva e
design e edição de arte de Jaíne Cintra. A versão online do especial
estará à disposição do internauta hoje, no endereço diariode.pe/zikavirus.
No momento aqueles que estão incorporando-se à nossa paisagem do dia a
dia são os bebês. É importante que, passado o atual momento de comoção,
não se tornem paulatinamente invisíveis. Amanhã eles serão crianças
maiores. E crescerão. Continuarão necessitados de atenção e cuidados.
Não nos esqueçamos deles, não deixemos de atentar para as necessidades
deles.
Foto: Peu Ricardo/DP.
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