O número de crianças adotadas com algum tipo de doença ou deficiência
tem aumentado no país. Dados da Corregedoria Nacional de Justiça obtidos
pelo G1 mostram que, em 2015, houve 143 adoções de
crianças e adolescentes com alguma limitação ou enfermidade – um aumento
de 49% em relação a 2013.
Entre os adotados estão 15 crianças com deficiência física, 15 com
deficiência mental, 19 com o vírus HIV e 94 com alguma outra doença
detectada. Os dados são referentes às uniões feitas por meio do Cadastro
Nacional de Adoção.
Uma nova lei, que foi criada em fevereiro de 2014 e acaba de completar
dois anos, pode ter ajudado a aumentar o número de adoções. A lei 12.955
prioriza os processos de adoção de crianças deficientes ou doentes
crônicas ao estabelecer uma celeridade no trâmite das ações. Já em 2014,
com a nova legislação, foi registrado um aumento: 148 adoções.
Para a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, no
entanto, “o papel da legislação é subsidiário”. “Essa lei funciona mais
como um desdobramento de outros regulamentos que já asseguravam direitos
a essas pessoas. Considero a mudança de perfil da sociedade como muito
mais relevante. Vejo as pessoas mais abertas e misericordiosas,
dispostas a ajudar e amar uma criança ou um jovem numa situação de
desamparo aguda, que demanda uma dedicação ainda maior do que aquela
necessária em um caso de adoção tradicional”, afirma.
Segundo ela, o papel das entidades religiosas e outras organizações da
sociedade civil, como os grupos de apoio, também tem sido fundamental.
Apesar do aumento nos últimos dois anos, os números ainda são
irrisórios frente à realidade dos abrigos. Há hoje 6.353 crianças e
adolescentes no Cadastro Nacional de Adoção, sendo que 1.225 (ou seja,
quase 20%) possuem alguma doença ou deficiência.
Mais preocupante que isso é o percentual de pretendentes dispostos a
adotar uma criança com essas condições. Dados do cadastro mostram que
70% não aceitam crianças e adolescentes com doenças ou deficiências. E,
da parcela que aceita, a maioria só permite doenças que sejam tratáveis
ou de menor gravidade.
Apenas 3%, por exemplo, se colocam como futuros pais de uma criança com
HIV, 5% de uma criança com deficiência física e 3% de uma criança com
deficiência mental.
Francisco, que tem deficiência visual, faz acompanhamento em entidades de São Paulo (Foto: Victor Moriyama/G1)
‘Presente’
A funcionária pública Carmen Rute Fonseca, de 53 anos, está entre as
exceções. Ela adotou um menino, hoje com 5 anos, que tem deficiência
visual e paralisia em um dos lados do corpo.
Desde o início, Carmen não fez restrições quanto a problemas de saúde.
Como trabalha, ela só deixou claro que não podia ficar em casa o tempo
todo se a enfermidade assim exigisse. “Sou solteira e sempre tive
vontade de ter filhos. Minha família é grande. Então comecei a assistir
às palestras e fui ao fórum preencher a ficha. No começo eu queria uma
menina, mas depois pensei que, se eu tivesse um filho, não ia escolher,
então não fiz nenhuma exigência.”
Ela conheceu Francisco no abrigo há dois anos e foi informada das suas
limitações. A aproximação foi feita aos poucos. Após três meses, Carmen
foi questionada se já havia se decidido. Ela não titubeou. Dias depois,
os dois já estavam em casa. O garoto tem uma rotina rígida de
medicamentos e visitas a médicos – o que ele tira de letra. “Ele é
ótimo. Ele mesmo fala: ‘mãe, você esqueceu de aplicar a injeção [que ele
toma por causa da tireoide todas às noites]’. É uma figura. Um presente
de Deus.”
Carmen diz que o filho é “super comunicativo” e cativa a todos. “Na
escola, sempre tem um coleguinha que o ajuda sem ele nem pedir. Já pega a
bolsa e sai levando. Com as crianças, não tem essa de preconceito.”
Francisco faz acompanhamento na AACD e também na Laramara – Associação
Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual, em São Paulo.
Criada há 25 anos, a entidade oferece atendimento gratuito e conta com
uma equipe interdisciplinar composta por cerca de 40 profissionais.
A assistente social da Laramara Vera Pereira diz que a dedicação dos
pais adotivos impressiona. “É um amor incondicional e compreensível: a
adoção é decidida e vivida por muito mais que nove meses [de gestação].”
Para ela, os pais de crianças com deficiência deviam ter mais apoio. “É
uma luta grande em busca de fisioterapia, terapia ocupacional,
fonoaudiologia, atendimentos com médicos especializados. A criança
comprometida requer muito mais cuidados e o custo é excessivo”, afirma.
A corregedora Nancy Andrighi concorda. “Acredito que as autoridades
governamentais podiam fazer mais do que apenas garantir prioridade nos
processos, como estudar a concessão de incentivos concretos aos
pretendentes que adotarem uma criança doente ou deficiente. Por exemplo,
o Estado podia subsidiar as medicações essenciais ou os tratamentos das
crianças doentes, ou custear parte dos gastos com a educação dos
deficientes ou, pelo menos, assegurar algum abatimento adicional no
Imposto de Renda”, diz.
Como adotar
Para adotar uma criança, é preciso ter no mínimo 18 anos. Não importa o
estado civil, mas é necessária uma diferença de 16 anos entre quem
deseja adotar e a criança acolhida.
O primeiro passo é ir à Vara da Infância mais próxima e se inscrever
como candidato. Além de RG e comprovante de residência, outros
documentos são necessários para dar continuidade no processo. É preciso
fazer uma petição e um curso de preparação psicossocial.
São realizadas, então, entrevistas com uma equipe técnica formada por
psicólogos e assistentes sociais e visitas. Após entrar na fila de
adoção, é necessário aguardar uma criança com o perfil desejado.
Cartilhas e grupos de apoio podem ser consultados para esclarecer dúvidas e saber um pouco mais sobre o ato. O passo-a-passo pode ser verificado no site do CNJ.
Fonte-G1
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