Sentir a música em vez de ouvi-la. Deixar as batidas dos instrumentos
adentrarem no corpo, contrariando a ordem natural dos sentidos. Mesmo
sem pronunciar uma só palavra, um seleto time de jovens e adultos do
Recife se esforça para transformar o mundo a sua volta. É garra e
superação. O grupo Batuqueiros do Silêncio chega ao sexto ano de vida,
promovendo a inclusão social de pessoas surdas, a maioria oriunda de
comunidades carentes da cidade.
Com cores, luzes e símbolos, eles aprendem a tocar instrumentos de
percussão e, assim, seguem a desafiar os próprios limites. A comunicação
se mostra a cada batida. Sem sede própria e recursos financeiros, a
luta agora é para manter a iniciativa pioneira.
“A música promove uma linguagem universal. Quando aprendem a dominá-la,
os surdos desenvolvem sensações, vibrações e um sentimento que os
impulsiona”, explicou o professor e líder do projeto Irton Silva. Para
ele, uma das preocupações é pela essência cultural da terra, priorizando
ritmos como o maracatu.
Método
A metodologia tem como base uma mesa de lâmpadas. Os alunos acompanham
as orientações. Duas vezes por semana, o grupo formado por cerca de dez
meninos e meninas marca presença nos ensaios. “Quando temos
apresentações marcadas o ritmo aumenta. São muito aplicados”, diz o
mestre. Após enfrentar dificuldades, os Batuqueiros agora ocupam uma
simpática casa na movimentada avenida Norte, no bairro de Casa Amarela.
Os jovens, em diferentes níveis de surdez, não pagam para participar. É
o caso de Karina Guimarães, 30, que se juntou aos músicos há dois
anos. “Sempre me foi imposto que surdo não poderia participar disso ou
daquilo. Com a música, consegui escrever uma nova história”. Ela
trabalha como digitadora em uma repartição pública e, nas horas vagas,
dedica o tempo ao toque das alfaias.
Na mesma sintonia está o estudante Caio Pessoa, 21. “Às vezes me
perguntam que graça tem se não posso ouvir. Respondo sempre que a magia
está na forma que posso imaginar”, revelou com altivez, reforçando que a
única barreira está no preconceito.
Apoio
Sem dispor de domínio na Língua Brasileira de Sinais (Libras), Irton
Silva conta com apoio de amigos. É o caso da intérprete Jaqueline
Martins, que voluntariamente participa da atividade e acaba dando uma
força para a equipe da Folha de Pernambuco conhecer melhor os diferentes relatos. “Eles sentem a música com o coração”, ressaltou.
Para fazê-los entender ritmos e diferentes cadências, o professor
desenvolveu uma peça impar, batizada de metrônomo visual. “Cada cor que
acende representa uma intensidade diferente”, esclareceu. Pelo
cronograma, a luz branca indica uma batida forte, a verde mais fraca. Já
a vermelha pode ser uma pausa na canção. Quando as amarelas despontam, o
aviso é para dupla batida. “Também complemento com gestos, o que chamo
de alfabeto musilibras”, comentou.
Ganhos
Para a psicóloga comportamental Ana Rique, o trabalho desenvolvido com
os surdos pode proporcionar ganhos em diferentes esferas. “Sentem-se
mais prontos para a vida, o que pode refletir em mais confiança para
galgar um emprego, se relacionar com a família ou, até mesmo, obter
êxito na trilha amorosa. A deficiência acaba ficando em segundo plano”,
afirmou.
A visão benéfica também é reforçada pela fonoaudióloga Katarina Souto.
“Para eles, a cadência permite conhecer uma melodia não audível,
percebê-la, compreendê-la e respondê-la. As ondas sonoras acabam
alcançadas pela pele e pelos ossos. Dançam, mexem-se e interagem”.
Fonte-Folha de Pernambuco
Nenhum comentário:
Postar um comentário