A maternidade, sem dúvidas, é uma escola. Quem vê de fora até pensa que
os filhos fazem o papel integral de alunos, por aprenderem com mães
desde as tarefas básicas – como balbuciar as primeiras palavras – até os
deveres mais complexos, que envolvem ideologia, visão de mundo,
caráter. Entretanto, quem deu à luz ao menos uma vez na vida sabe bem
que o rebento também representa – e muito – o papel de professor,
ensinando a multiplicar amor e a enxergar um lado bom em cada canto. No
meio dessa troca, há filhos que ainda são, literalmente, colegas de sala
das mães, levando o mutualismo do aprendizado para o ensino superior.
É o caso de João Paulo Gonçalves, estudante de Cinema e Audiovisual da
Aeso, em Olinda, e colega de graduação da mãe, Maria do Rosário
Gonçalves. Longe dos livros desde antes de casar, ela se afastou ainda
mais dos estudos para cuidar do filho, portador de uma deficiência
motora ocasionada pela falta de oxigênio durante o nascimento. Dezoito
anos depois, quando João prestou vestibular, Rosário também enxergou uma
oportunidade de ter o primeiro contato com a comunidade acadêmica. A
dúvida era somente uma: por que não?
“Não entrei na universidade para ajudar nas dificuldades do meu filho.
Moramos em Aldeia, estudamos em Olinda, então eu ou o pai dele teríamos
que levá-lo e buscá-lo na faculdade. Já que eu viria todos os dias,
pensei em fazer um curso também”, explica.
Quanto à escolha da graduação, não houve como fugir da influência do
filho: apaixonado pela sétima arte desde criança, o jovem de 19 anos
acabou incentivando a mãe a fazer o mesmo curso.
No início, o ambiente repleto de gente mais jovem causou estranhamento.
Porém, o choque inicial foi passando aos poucos, com a ajuda de João
Paulo. “É muito bom dividir a sala com a minha mãe. No curso, nós temos
preferências diferentes: eu gosto mais de montagem, ela prefere a parte
de roteiros. Quando ela tem alguma dúvida, sempre ajudo”, explica o
filho, orgulhoso da colega de sala.
Rosário se sente realizada por ter chegado ao ensino superior e estudar com o filho João Paulo
(Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
“Ele é muito perfeccionista e gosta de fazer a edição nos mínimos
detalhes. Sempre que eu digo que já está bom, ele diz que ainda dá para
fazer mais”, brinca a mãe. “Temos pensamentos e gostos diferentes no
curso, mas a gente se completa. Essa cumplicidade entre nós é muito
forte. Sou muito grata a isso e ao meu esposo, que segurou a onda para
eu vir estudar. Essa é uma oportunidade que tenho de fazer um pouco por
mim”, conta Rosário.
Feliz por dividir a sala com o filho, ela explica que o aprendizado com
João Paulo vai muito além das salas de aula. “Na faculdade ele me ajuda
muito, mas eu aprendo com o meu filho desde que ele nasceu”, revela,
com um ar de satisfação que não cabe num único sorriso.
Cumplicidade além dos livros de anatomia e vade-mécuns
Quem também se inspirou na escolha de um dos filhos para entrar no
universo acadêmico foi a estudante de Direito Adriana Canêjo, 45. Casada
desde os 18 e com uma faculdade inconclusa de Psicologia no passado,
ela se dedicou exclusivamente à família durante mais de duas décadas.
Depois de ver os filhos crescidos, ela percebeu que também era hora de
realizar um sonho antigo, porém
nunca esquecido.
Apesar de cursarem graduações diferentes, mãe e filha se ajudam nos estudos
(Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
“Meus dois filhos têm um ano e dez meses de diferença de idade. Quando
eles eram pequenos, eu não tinha condições de terminar a faculdade
porque cuidava o tempo todo deles. Eu era frustrada porque sempre gostei
muito de estudar e tinha parado”, relembra Adriana. Entretanto, a
situação mudou quando Renatha Canêjo, 24, filha de Adriana, ingressou na
universidade.
“Minha filha foi a pessoa que mais me incentivou a voltar para a
faculdade. No início eu até tive um pouco de medo, mas ela sempre quis
que eu entrasse”, conta Adriana. O encorajamento veio de Renatha, mas a
inspiração pela escolha do curso veio do outro filho, Ricardo Canêjo,
26. “Eu sempre gostei de falar, de escrever, de argumentar. Percebi que
eu não iria seguir a carreira de psicóloga e escolhi o Direito, ramo que
meu filho também já escolheu porque também gosta de argumentar. Acho
que aprendi isso com ele e ele comigo”, conta a estudante.
“Era para ela fazer Medicina, para estudar comigo”, diz Renatha aos
risos. Brincadeiras à parte, a filha não pensa duas vezes antes de
elogiar o desempenho da mãe na academia. “Ela é um incentivo para mim.
Às vezes estou cansada, com pouca vontade de estudar, mas ela sempre me
dá coragem para pegar nos livros. Ela estuda até mesmo de madrugada.
Mesmo não sendo o mesmo curso, a gente sempre se ajuda”, conta a filha.
Apesar da oposição entre livros de anatomia e vade-mécuns, o auxílio de
Renatha - única filha que ainda frequenta a faculdade - vem por meio da
tecnologia. “Eles nasceram nessa geração high-tech, então sempre me
ajuda a fazer uma apresentação de slides ou a fazer alguma coisa que
envolva uma tarefa mais difícil no computador”, explica. No caso de
Ricardo, já formado, a ajuda é maior. “Para ele, eu peço ajuda no
conteúdo dos trabalhos”, conta a mãe.
Mesmo em cursos diferentes, mãe e filha irão colar grau no mesmo ano.
Ansiosas para concluir a graduação na Uninassau, as duas sonham com a
festa de formatura, dia para celebrar as tantas noites em claro
dedicadas aos estudos. “Nunca imaginei entrar na faculdade junto com ela
e agora vamos nos formar juntas”, pontua.
Com o fim do curso, ela espera atuar profissionalmente na área, como
qualquer estudante formado. Renatha também deseja o mesmo. “Nunca é
tarde para entrar na faculdade, para estudar e para se realizar”, diz a
filha. Para a dupla, a trajetória de Adriana na universidade pode ser
resumida com uma única palavra: vitória.
Fonte-G1, Marina Medeiros
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