"Qual será sua desculpa?" Com essa pergunta, Dannilo Garcia, de 35 anos,
provoca quem vive colocando a culpa por não se exercitar na falta de
tempo, de dinheiro, de disposição. O puxão de orelha, vindo de um
profissional da área de Educação Física, já é motivo para refletir. Mas
vindo de Dannilo faz pensar sobre o sentido, a gratidão e o que cada um
quer fazer da sua vida. Tetraplégico depois de um acidente banal,
Dannilo conseguiu superar prognósticos médicos e hoje trabalha como
personal trainer, dando continuidade à carreira que começou há uma
década. "A gente pode ser aquilo que a gente acredita ser e pelo que a
gente batalha para ser."
A vida de Dannilo mudou completamente em 2008. Professor
de Educação Física e amante de esportes, trabalhava em três academias de
Sorocaba e treinava pesado para participar de uma prova de Ironman --
uma modalidade de triathlon que compreende longas distâncias de natação,
ciclismo e corrida. "Era um sonho e também queria incrementar meu
currículo." Tudo ia bem com o jovem, então com 27 anos. Até que um dia,
numa festa de confraternização, Dannilo decidiu brincar numa arena
inflável de futebol de sabão. "Resolvi dar um salto mortal ali. Dei o
primeiro, o segundo e quando fui dar o terceiro meu pé escorregou antes
de eu saltar. Caí de cabeça e quebrei o pescoço", lembra. Naquele
momento, Dannilo conta que imediatamente falou para um amigo: "fiquei
tetraplégico". "Não senti mais meu corpo." O colega, é claro, disse a
ele para que "virasse a boca para lá". Resgate realizado, ele foi levado
para o Hospital Regional. "Lá eu vivi os piores momentos da minha vida,
de descaso." Esperando por atendimento num corredor, Dannilo já sabia
que algo muito grave havia acontecido. Afinal, ele é um profissional
ligado à saúde do corpo -- e sabe muito bem como ele funciona.
A queda de cabeça no brinquedo inflável provocou o
deslocamento de uma vértebra, que rompeu quase toda a medula. Foram
necessários uma cirurgia no pescoço e 17 dias de internação. Mas, a essa
altura, o educador físico já tinha o diagnóstico oficial de
tetraplegia: nenhuma expectativa de ter qualquer movimento do pescoço
para baixo. "Mas eu nunca fui de aceitar o que me falam, ainda mais um
diagnóstico. Me recusei a aceitar e me recuso. Nossa história quem
escreve é a gente." A mãe de Dannilo, Helena Garcia, chegou a desconfiar
que o filho não estava consciente de todos os problemas que ainda ia
enfrentar. "Disse à psicóloga que achava que a ficha dele ainda não
tinha caído. Ele sempre esteve alegre, cantando... e ela me disse que
não, que ele sabia muito bem o que estava vivendo", descreve.
Estava preparado
Dannilo conta que em nenhum momento se revoltou com a situação.
De volta para casa, os empregos deixaram de existir e toda a família
precisou se preparar para viver a nova realidade. "A partir daí, fiquei
obcecado com a reabilitação. Queria mais que só a fisioterapia
convencional."
Com a ajuda do irmão, Dannilo encontrou o projeto americano
chamado Project Walk, voltado à retomada de movimentos de pessoas
tetraplégicas. "Mas precisava de 150 mil dólares para ir até lá. Foi
quando eu, amigos e familiares começamos a fazer festas e jantares
beneficentes." Em 2010, para sorte de Dannilo, uma franquia do projeto
americano foi instalada em São Paulo. "Com os recursos que eu já tinha,
pude me recuperar por dois anos lá." Hoje, Dannilo mexe braços e mãos e
tem bom controle do tronco. O tratamento parou -- porque o dinheiro
acabou -- mas ele continua com a fisioterapia e com "avanços graduais"
na retomada dos movimentos.
A reviravolta
Um jovem que sofreu um acidente, ficou
tetraplégico e se dedica ao máximo para sua recuperação já é uma
história de sucesso. Mas Dannilo queria mais. "Cheguei à conclusão que
precisava voltar a trabalhar." Ele aproveitou um processo seletivo e
conseguiu uma vaga no Senac, na área administrativa. "Foi aí que eu
comecei a viver novamente." Foi lá que conheceu a esposa Nara -- com
quem se casou há uma semana -- e teve a certeza que ama a Educação
Física.
Há dois anos, Dannilo recebeu a proposta de uma tia de
sua então namorada, que sofria de dores nas costas e precisava de alguém
que a orientasse em exercícios físicos para melhorar a qualidade de
vida. "Ela perguntou se eu não poderia fazer isso. Aceitei e hoje já
tenho 14 alunos", contou o personal trainer. Ele atende as pessoas que
querem se exercitar em suas próprias casas ou nos parques e está
montando um espaço só seu. Retomar uma profissão que trabalha
exclusivamente com os movimentos do corpo não foi nada fácil -- mas
desafiador e totalmente possível para ele. "Fui me atualizar e
desenvolvi uma forma de explicar verbalmente como os exercícios devem
ser feitos corretamente -- já que não consigo mostrar. Também tenho uma
pessoa que me ajuda. Muita gente tem preconceito e eu respeito, é
difícil entender alguém que não tem movimentos ensinando a fazer
movimentos. Mas é possível", diz ele, que inclusive faz musculação.
Hoje, Dannilo usa sua história para alertar sobre a importância de
viver bem. "Eu vou voltar a andar. Não sei se será um milagre ou se vão
descobrir a cura para a lesão na medula. Nunca deixarei de acreditar
nisso. Mas eu não vou esperar voltar a andar para viver."
A emoção de poder casar-se em pé
Depois do casamento, o personal trainer ganhou uma cadeira stand up
"Eu não sei descrever o que eu senti naquele momento." A falta de
palavras de Dannilo se refere a um dia muito especial, segundo ele, o
mais importante da sua vida. Há exatamente uma semana, ele se casou com
Nara Roberta Cimetta Garcia, 34 anos. E, para esperar a noiva no altar,
utilizou uma cadeira stand up eletrônica, que o colocou em pé. Ninguém
esperava que aquilo fosse acontecer -- inclusive a noiva -- e a emoção
tomou conta de toda a igreja e convidados.
O sonho de se casar
em pé era antigo e rondava tanto Dannilo como Nara. Porém, ao irem atrás
do equipamento para aluguel, acabaram não tendo sucesso. "É um
equipamento muito caro e quase não alugam pois há o risco de quebrar e,
daí, o custo de manutenção é muito alto também." Quando quase estavam
desistindo de procurar, amigos em comum acabaram conseguido um contato
com o empresário Nelson Nolé, da Conforpés, que emprestou o equipamento
para que Dannilo usasse durante a cerimônia, que aconteceu na Igreja
Presbiteriana do Calvário, em Sorocaba. "Foi indescritível. quando
percebi, dei um berro e comecei a chorar", conta Nara. De pé, Dannilo
recebeu a noiva, trocou alianças e cumprimentou os padrinhos.
Com as fotos do casamento compartilhadas nas redes sociais, a história
de Dannilo logo ficou conhecida. E o empresário Nolé não se contentou
apenas em dar um momento de alegria aos noivos. Na última quarta-feira,
ele deu de presente a cadeira stand up para Dannilo, durante uma
participação do personal trainer no Programa do Ratinho, do SBT. "O que a
gente dá, recebe em dobro", resume Nolé.
Segundo Dannilo,
estar na posição em pé não é apenas um prazer para quem vive numa
cadeira de rodas -- é uma necessidade. Isso porque estar nessa posição é
parte do tratamento de reabilitação, pois auxilia, por exemplo, na
regulação de funções fisiológicas e a promover o impacto que fortalece
ossos e músculos.
Fonte-Jornal Cruzeiro do Sul
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