terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Mães sobre rodas: mulheres cadeirantes falam da experiência da maternidade

Aos 11 meses de idade, João Manoel domina a arte de “escalar” a cadeira de rodas da mãe e se equilibrar nos pedais para pedir colo. O dia a dia dele com a carioca Ana Carolina Rufino, de 28 anos, em pouco difere de uma “maternidade padrão”. Sem a sustentação das pernas e com fraqueza muscular nos braços devido a uma doença congênita, a jovem mãe tem sido bem-sucedida em adaptar atividades de rotina para cuidar do filho, desde a hora do banho até as brincadeiras. E, muito antes disso, venceu a batalha contra a descrença de médicos que a desaconselhavam a engravidar.


A moça nasceu com Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 3, condição genética e hereditária que provoca fraqueza extrema e degenerativa nos músculos de todo o corpo. Por isso, ela sempre andou com dificuldade, mas, após quebrar o pé aos 22 anos de idade e passar por meses de reabilitação, sem andar, ela nunca mais abandonou a cadeira de rodas.


A quem se espanta com a “coragem” dela ao decidir ter um bebê, Ana Carolina não pensa duas vezes ao responder:


— Não é ser mãe cadeirante que é desafiador. Desafiador é ser mãe, ponto — destaca ela. — Tudo é adaptável, e o próprio bebê se adaptará à mamãe que tem. João, por exemplo, é super espoleta mas no meu colo fica calmo como se soubesse que comigo precisa ser dessa forma.


Durante a gestação, existem alguns cuidados extras. E eles dependem do estado de saúde da mulher — o tipo de doença ou o nível da lesão medular, por exemplo. Mas, em geral, por permanecer muito tempo sentada, a grávida que se locomove de cadeira de rodas precisa estar mais atenta do que outras a um risco aumentado de trombose, edemas, ganho excessivo de peso, anemia e infecção urinária. Esta última é a causa mais comum de perda de bebê entre cadeirantes. Tudo isso, no entanto, é evitável com um acompanhamento pré-natal de qualidade, afirma a ginecologista e obstetra Girlani Barros.


— Como você vai dizer para uma pessoa que ela não pode engravidar se vivemos em um mundo tão moderno, com tanta tecnologia e tantas possibilidades? — questiona a médica, que é membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). — Desde que essa mulher tenha condições de ter um acompanhamento, por que não (ter filhos)?


De modo geral, para diminuir o risco de trombose, uma boa estratégia é usar meias de compressão nas pernas, que melhoram a circulação. Algumas grávidas chegam a precisar tomar injeção anticoagulante diariamente. Já edemas podem ser evitados com drenagens linfáticas, e a possibilidade de anemia e de infecção urinária deve ser acompanhada de perto no pré-natal. Em algumas situações, pode-se fazer uso de antibióticos.


No caso de Ana Carolina, as maiores preocupações dela eram de não conseguir levar a gestação até o nono mês e o risco de falta de ar, pois a própria doença dela já dificulta a respiração.


— Morria de medo de sentir falta de ar, mas não tive qualquer problema — conta ela. — E o parto foi adiantado apenas em duas semanas porque eu fiquei muito inchada e minha pressão começou a alterar. Mas nada fora do normal. A gravidez foi bem mais tranquila do que eu achei que seria.

Aos 40 anos, a paulista Tatiana Rolim, paraplégica desde que foi atropelada por um caminhão aos 17, recorda que ficou com a mesma sensação de Ana Carolina. Ela não teve nenhuma das complicações sobre as quais foi avisada antes de engravidar. Autora de três livros sobre deficiência, entre os quais “Maria de rodas — Delícias e desafios na maternidade de mulheres cadeirantes”, Tatiana ressalta que não se pode romantizar a gravidez. Nem sempre é um período tranquilo para a mulher, seja ela cadeirante ou não. Mas também não se pode excluir quem usa cadeira de rodas da experiência da maternidade.

— Muitas mulheres, infelizmente, são induzidas por médicos com uma visão sanitarista de “limpar” a sociedade das deficiências, além do mito de que lesões que afetam as pernas geram infertilidade — diz ela, que é psicóloga e mãe de Maria Eduarda, de 7 anos. — Eu mesma, quando decidi engravidar, procurei um médico para pedir orientação e ele perguntou ao meu marido, na minha frente, se ele realmente teria coragem de me engravidar. Nós ficamos chocados.


Ana Carolina passou por situação semelhante: aos 23 anos, durante uma consulta, questionou uma especialista em sua doença sobre a possibilidade de ter filhos no futuro. Ouviu, como resposta, que ela “não iria querer passar esse gene adiante”.


— Fiquei mal, chorei muito. Mas depois vi que não precisava ser assim. Todo mundo tem problemas. Se pensássemos assim, ninguém engravidaria.


Mãe de Francisco, de 1 ano e dois meses, Tábata Contri é cadeirante desde um acidente de carro no réveillon de 2001 e, por sorte, nunca foi desencorajada por médicos ou parentes.



— O melhor ano da minha vida foi o da gestação. Foi tão natural. Eu logo já estava segurando o bebê com uma mão e girando a roda com a outra.




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