segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Quando o Carnaval Passar

Por Manuela Dantas

Eu vejo a barra do dia surgindo,
Pedindo pra gente cantar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada,
Abafada, quem dera gritar...
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar...
(Trecho da Música Quando o Carnaval Chegar de Chico Buarque)

Acabou nosso carnaval... Mas como diria Vinicius de Moraes, mais que nunca é preciso cantar e alegrar a cidade... É verdade, o meu carnaval acabou na segunda-feira, já que na terça-feira estava na ativa, trabalhando e cantarolando com uma flor no cabelo... Mas, trabalhando alegre, já que me senti revigorada pela alegria do carnaval e uma dose extra de ânimo super bem-vinda entrou no meu ambiente e se Deus quiser, como diria mamãe, vou cuidar muito bem dela para o caso dela querer ir embora, sempre se sentir a vontade para voltar logo.

Pois é, acabou nosso carnaval... E sem voltar a antigas mazelas, lembrando de Drummond quando escreveu “A dor é inevitável, o sofrimento é opcional.”, retomo as minhas rotinas diárias... Trabalho, fisioterapia, novela, jornal, leitura... Vida normal e vida real, mas confesso que minha energia está em alta, para o trabalho, para as fisioterapias, para tudo...

Gostaria de contar um pouco do meu carnaval, que, confesso, achava que ia acabar passando em casa por não acreditar que haveria acessibilidade no mesmo, o que, felizmente, eu estava bem enganada...

No sábado fui para o Galo da Madrugada, para o camarote da acessibilidade, o qual tinha rampa, banheiro químico adaptado e maior do que os usuais, audiodescrição, e tradutor de libras, a língua brasileira de sinais. A banda que animava o camarote era composta por integrantes cegos e o melhor, havia vários deficientes felizes, com os quais pude conversar, conhecer e perceber a sua empolgação por poderem estar no carnaval com a estrutura necessária e segurança.

Lembro de ter visto do camarote um cadeirante seguindo um trio elétrico na rua, vi também outro cadeirante fantasiado de múmia conduzido por uma moça, vi, impressionada, um passista de frevo dançando alegremente com uma única perna, vi vários grupos de cegos passando em frente à Praça do Carmo, e no camarote da acessibilidade vi o show da diversidade.

Confesso que nunca me senti tão bem por estar em um ambiente de alegria tão sincera, de sorrisos tão espontâneos, de olhos tão brilhantes, de inclusão tão aberta e de felicidade tão esperada, tão desejada e ao mesmo tempo tão simples...

Vi sorrisos, sorrisos por tanto tempo abafados pela falta... Falta de cidadania, falta de inclusão, falta de direitos, falta de assistência, falta de acessibilidade, falta de compreensão, falta de amor...
Há algum tempo atrás um amigo meu, disse-me algo que não entendi naquele momento, ele me disse que eu era um exemplo por não estar revoltada com o acidente que me deixou paraplégica, nem depressiva e continuar a viver alegremente, apenas o respondi que eu não enxergava outra opção, pois eu precisava continuar a viver e não queria apenas passar pela vida... Afinal, por que continuar sofrendo se eu posso continuar vivendo sendo feliz, apesar da minha atual condição. De certo que existem barreiras e limitações, mas a felicidade, como a vida sempre encontra um jeito de voltar a surgir.

Respondendo hoje ao meu amigo, depois do que vi no carnaval, diria que todas aquelas pessoas deficientes que estavam no carnaval eram um grande e verdadeiro exemplo, pois a felicidade que eles transpareciam não era alvo de um momento, ou tinha a frivolidade de um novo adereço, ou de uma nova conquista amorosa, era enraizada na paz de espírito proporcionada pela missão cumprida de ajudar muitos outros deficientes a encontrar seu lugar na sociedade e de serem precursores na promoção da acessibilidade no carnaval, na cultura, no lazer, na cidade, no estado e quiçá no Brasil.

Afinal, quem é verdadeiramente feliz sem ter uma missão justa no coração?

Há poucos dias atrás eu li uma crônica muito bem escrita da jornalista Ana Paula Padrão sobre a felicidade e o carnaval, na mesma a autora mencionava que ninguém devia forçar uma situação de felicidade e de alegria para adentrar no carnaval numa mesma sintonia que os outros. Concordo com a jornalista, mas adiciono ao seu texto apenas o fato, que é realidade para muitos pernambucanos, que temos o carnaval no sangue, planejamos o carnaval o ano todo e ficar longe dele dá uma saudade danada, além de nos deixar tristes, como aconteceu comigo em alguns anos que passei distante e com um incontrolável nó na garganta.

Pois é Ana, o carnaval para muitos não é uma felicidade pontual, mas estimula um ano novo de atividades, até termos o novo banho de boas energias da chegada do novo carnaval.

Contabilizando o que vivi no carnaval também em Bezerros e Olinda, tenho uma enorme gama de bons relatos a fazer, mas por enquanto vou apenas deixar no imaginário de vocês... O que apenas digo é que sinto uma felicidade e paz até hoje por ver a beleza da igualdade, de uma forma que nunca tinha visto.

Mas, nossa missão pela conquista da acessibilidade em Recife e Pernambuco ainda tem um longo caminho pela frente... Nossa luta continua pela inclusão nas artes, nas ruas, calçadas, edifícios públicos e de uso público, acessibilidade ao mercado de trabalho, a saúde, centros de reabilitação, a vida cidadã e digna...

Refletindo sobre todas aquelas pessoas que estavam comigo naquele mesmo grito e buscando aquela alegria tão adiada e ao mesmo tempo tão esperada, é que todos somos sobreviventes.... Sobreviventes de acidentes, sobreviventes de fatalidades, sobreviventes da violência, sobreviventes de uma vida repleta de lutas, de dificuldades, de barreiras visíveis e as invisíveis (que são as piores)...

Aprendemos, muitas vezes a duras penas, a sermos fortes e nos mantermos assim... Aprendemos a olhar a vida de frente e não baixar os olhos diante dos obstáculos... Sabemos como ninguém, que a vida é um milagre, e que não vale a pena desperdiçá-la... Temos em comum o otimismo, um otimismo inabalável, uma luz interior que sem sombra de dúvida nos motiva e nos impulsiona a continuar lutando e o fundamental... Acreditar nos bons resultados e na vitória.

Lembrei de ter lido sobre um evento ocorrido em 1816 em que um barco francês chamado Medusa encalhou em um banco de areia na costa da África e cerca de 150 pessoas tiveram que partir em uma jangada improvisada e ficaram à deriva por 13 dias. Sem água, ou comida, só dez sobreviveram...

Em meio ao desespero e ao desalento, os verdadeiros sobreviventes conseguiram se arrancar daquela situação, ou pela determinação, ou pela fé religiosa, ou por um otimismo inabalável que os impulsionaram a olhar adiante e ter a certeza de que lá estaria à sobrevivência, a vida... Os sobreviventes foram justamente aqueles que a frente da balsa acenavam, apontavam, esperançosos de que o socorro viria...Como realmente veio...

Assim tal qual os náufragos do Medusa que tiveram o naufrágio, e que eu tive um barranco em que o motorista do carro que me conduzia a obra caiu, todos temos os nossos próprios “barrancos”, vivemos situações em que o chão nos falta e não sabemos ao certo se nos direcionamos aquele caminho, ou se a vida nos direcionou, apenas sabemos que para sobreviver e viver precisamos ,não entender, mas encarar a vida e repetir internamente que cada um tem um propósito e que não estamos aqui por acaso, mas somos parte de um mundo que precisa de nós.

Por fim, utilizo as palavras de Madre Tereza de Calcutá para expressar a minha emoção nesse momento por depois de uma breve conversa durante o carnaval com um estudante surdo de engenharia civil, o qual me disse o quanto o motivava os meus textos, ter finalmente descoberto o meu propósito... “Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.”

Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão pela cidade
No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança
(Trecho da Música Sonho de um Carnaval de Chico Buarque)

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