quarta-feira, 2 de maio de 2012

Bastidores

Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim
E me tranquei no camarim
Tomei o calmante, o excitante
E um bocado de gim...
(Trecho da música Bastidores de Chico Buarque)


Por Manuela Dantas, do blog de Jamildo

Não posso mentir que por vezes fraquejo... Às vezes em meio a tantas dificuldades diárias, paro e penso que não é justo que eu passe por tudo isso, aí me dou conta do quanto estou sendo egoísta em pensar dessa forma, afinal, não seria justo com ninguém passar por situações como estas e isso não impede que tantos vivam em meio a dificuldades, sejam de quais natureza for e não sou melhor do que ninguém para ter a regalia de viver imersa apenas em alegrias... 

Mas esse sentimento insiste em me dominar de quando em vez, ele faz parte dos bastidores da minha vida, fora das paredes do meu lar, do acolhimento da minha família e amigos e do íntimo da minha mente e coração.

Tenho um amigo que há muito tempo atrás dizia que eu tinha uma personalidade deveras interessante, quando saia para o mundo externo me vestia com uma armadura de força e coragem que me protegia e me tornava um leão para enfrentar o mundo e que só depois de um tempo de volta ao meu lar e ao meu íntimo, conseguia tirar aquela armadura e me mostrar mais frágil, mais doce, menos independente e mais amorosa.

Pois bem, hoje acordei disposta a tirar essa armadura e mostrar que tenho uma delicadeza e fragilidade difíceis de perceber a olhos nus e que eu por virtuosidade, ou não, tenho a mania de represar os sentimentos que me doem. Decerto que eu não me sinto a vontade de expor minhas fraquezas, minhas dores, minhas angustias, na minha mente essa exposição é quase uma nudez de espírito...

Mas, ao contrário do que uma moça no shopping me indagou outro dia, eu também tenho minhas fraquezas e muitas dificuldades, mas não costumo mostrá-las e não sou essa fortaleza que transpareço.

Pois bem, confesso que nos últimos dias tenho me entristecido com minhas limitações físicas... Não apenas por não poder andar, mas porque nos últimos tempos tive aumentadas as minhas dores neuropáticas, os meus espasmos e as minhas baixas de pressão. Todos esses eventos são relacionados à lesão medular e são frequentes, apesar de poucos conhecerem esse lado da história.

Só para vocês entenderem melhor, as dores neuropáticas acontece em 1 a cada 3 pessoas com lesão medular, ela é uma dor ardente, tem a sensação de formigamento e queimação. Esse tipo de dor é causada por uma anormalidade em qualquer ponto da via nervosa. Uma determinada anomalia altera os sinais nervosos, que, deste modo, são interpretados de forma anormal no cérebro. A dor neuropática pode produzir uma dor profunda ou uma sensação como a hipersensibilidade ao tacto. 

Os lesionados medular, que possuem dores neuropáticas, são acometidos de maior dor e sofrimento, o que por vezes, pode levar a problemas psicológicos e trazer repercussões importantes na vida de quem passa por elas. Essa dor crônica leva a perturbações tais como: depressão, pânico, ansiedade, dificuldade em dormir, entre outras. 

Esses efeitos podem ser combatidos ou diminuídos por meio de tratamentos que combinam anti-inflamatórios potentes e antidepressivos e se mesmo assim o problema não for resolvido pode ser usada a neuroestimulação nos seus diversos níveis e modalidades ou até cirurgias, dependendo do caso.

Por outro lado, uma alteração que frequentemente atinge os lesionados medular é a espasticidade. A espasticidade é uma alteração motora, caracterizada por movimentos reflexos que são controlados pela medula espinhal, mas regulados pelo cérebro, se a medula espinhal for lesionada, a informação do cérebro não mais regulará a atividade reflexa, o que pode provocar, por exemplo, um aumento da resposta do reflexo de estiramento. Os reflexos podem ficar exagerados, severos e incapacitantes e assim requerer tratamento médico. 

Na verdade, não andar é uma das incapacidades e dificuldades dentre as múltiplas que podem ter os lesionados medular e isso requer uma série de cuidados complexos, pertinentes a tantas alterações, que devem ser conhecidos e encarados pelo deficiente, pela família, pelos amigos e pela sociedade. Aos poucos vou conversar sobre cada uma delas com vocês.

Confesso que para mim essa é uma atividade difícil, aliás, muito difícil, já que para isso preciso falar e escrever sobre minhas dores... Posso conviver e enfrenta-las, mas não gosto de ficar me “lamentando”, apesar de saber que é bom que as pessoas com as quais convivo diariamente possam entender todas as alterações que houve e há comigo e assim poderem me entender melhor e entender outros deficientes melhor.

Por vezes prefiro imprimir um texto sobre o assunto e dar para uma amiga ler, ou escrever, como estou fazendo agora, enfim... Tenho limitações anteriores ao trauma e essa é uma delas...

Outrossim, há algumas semanas atrás meu chefe, ou meu líder, que é uma pessoa incomparável, dessas que temos orgulho de termos conhecido, ou passado nas nossas vidas, pesquisou o assunto com tal profundidade que me deparei com questões que não tive coragem de expor nem a minha mãe que me acompanha de forma dedicada desde o acidente, no entanto ele é daquelas pessoas que consegue compreender tão fortemente as outros que nunca precisei falar uma vírgula sobre essas outras alterações físicas que se passaram comigo decorrentes da lesão medular.

Por outro lado, passo dias sem dormir quando me deparo com incompreensões de outras tantas pessoas, que me veem tão disposta a ter uma vida normal, que muitas vezes, por desconhecimento, não entendem que limitações físicas muitas vezes podem ser incapacitantes, para mim é difícil falar sobre isso, porque esse fato é deveras frustrante, mediante tantas vontades e tantos quereres...

Acendendo mais um pouco as luzes dos bastidores da minha vida, estou apresentando um quadro de hipotensão ortostática relacionada a alterações posturais como nas mudanças de postura e de alimentação, resultante de um pool sanguíneo em membros inferiores e vasoconstrição ineficaz devido à lesão no sistema nervoso.

Para esse evento também existe controle, como por exemplo, um acompanhamento dos sinais vitais antes e no decorrer da mudança de posição é uma delas, a elevação lenta para a posição sentado, o uso de meias elástica de média a alta compressão, o uso de faixas abdominais no ortostatismo, posição em pé, para assim melhorar o retorno venoso dos membros inferiores. A medicação vasopressora utilizada para tratar a vasodilatação profunda e a adoção da posição decúbito dorsal são medidas terapêuticas na vigência aguda da hipotensão ortostática.

Diante dessas dificuldades e incapacidades existem os procedimentos e intervenções, como alguns que relacionei nesse artigo, que permitem a convivência com a incapacidade de maneira digna e com melhor qualidade de vida, como estou tentando fazer. Essa aprendizagem da convivência com as dificuldades pelo deficiente, pela família, pelos amigos, pelos colegas e pela sociedade diante de uma vida completamente diferente faz parte da reabilitação do deficiente, diante disso a prevenção das complicações é fundamental para garantir o impacto de uma vida com limitações, mas que mesmo assim possa ser atuante diante de uma nova condição.

Falando em vida atuante, a minha fisioterapeuta ontem me disse que o meu melhor remédio foi o show de Chico Buarque, no dia após o show tive meu melhor desempenho em fisioterapia, minhas pernas estavam quase sem espasmos, não apresentava nenhuma dor e a produtividade da sessão não poderia ser melhor, com o mesmo esforço, consegui levantar a perna bem mais e conseguimos implantar um novo exercício difícil, que tentávamos há muito tempo...

Não que Chico Buarque possa curar, mas uma boa dose de entusiasmo e motivação é fundamental para evitar as dores, sejam elas quais forem... E Chico me recebeu no ensaio com sua banda cheia de músicos incríveis com um sorriso e uma satisfação por ganhar um livro, que fiz especialmente para ele, com os artigos que escrevo para a gente quinzenalmente.

Minha amiga Janaína ficou sem palavras ao ver Chico, eu, ao contrário, falava quase sem parar, parecia que me encontrava com um amigo de infância, que há tempos não via, e tinha uma ansiedade sufocada de falar tantas coisas sobre minha vida distante e recente, mas não esquecidas.

Chico foi de uma delicadeza sem precedentes e apresentou aquela mesma timidez do show, a voz suave, o andar apressado e uma linda intimidade com a música, com a banda e com os nossos corações...

Ademais, além de Chico fui ao show de Paul McCartney, que teve uma área reservada para deficientes, área essa bem estruturada, mas pouco divulgada, infelizmente... 

O show de Paul foi perfeito... Durante o show, quase não acreditava que estava assistindo a Paul aqui em Recife e agradeci a todos que contribuíram e continuam a lutar para termos conseguido tantos direitos justos, como o acesso a cultura. Acesso esse que me fez tão bem e conseguiu me tirar daquela onda de tristeza que insistia em me invadir, apesar de tanta luta contra a mesma.

Na semana passada, quando fui ao Ministério Público um colega engenheiro que lê a coluna me questionou se não fiquei revoltada com a paraplegia ou se pensei em desistir, como diria Pe. Airton Freire, há muito tempo desisti de desistir e estou aí na ativa, vivendo, me emocionando e tendo sempre bons exemplos e bons motivos para continuar a ter esperança...

Findo meu artigo com um trecho da música “Para Lennon e McCartney“ de Milton Nascimento e com a fé na vida renovada.
Para Lennon e McCartney
Milton Nascimento
Por que vocês não sabem do lixo ocidental?
Não precisam mais temer
Não precisam da solidão
Todo dia é dia de viver...
 

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