domingo, 17 de março de 2013

A Cidade dos Artistas


Por Manuela Dantas
Na cidade
Ser artista
É posar sorridente
É ver se de repente
Sai numa revista
É esperar que o orelhão
Complete a ligação
Confirmando a excursão
Que te leva ao Japão
Com o teu pianista
E antes que
O sol desponte
Contemplando
O horizonte
Conceder entrevistas
Aos outros artistas
Debaixo da ponte...

(Trecho da Música Cidade dos Artistas de Chico Buarque)

Às vezes fico pensando que só sendo um verdadeiro artista para encarar tantas adversidades e continuar firme, sorrindo e escrevendo a história da sua vida...

Foi assim que vi aquele grande contingente de pessoas que lotaram o auditório Rosa França no IMIP no primeiro Fórum para Discussão do Centro de Reabilitação daquela instituição.

Fui convidada para representar os usuários do centro, que tenho um orgulho danado de estar frequentando e poder observar o alto nível que aquela instituição apresenta como também o carinho com que os funcionários tratam os seus usuários.

Fico especialmente feliz por termos conseguido um forte grupo de colaboração no Projeto Novos Horizontes que contribuiu para hoje o Centro de Reabilitação ter uma qualidade tão alta de serviço e poder oferecer terapias modernas.

Desde que entrei no IMIP pela primeira vez, em 2010, senti que esse hospital tinha uma energia diferente, custei a acreditar que aquele hospital com alto nível de qualidade e atendimento era inteiramente custeado pelo SUS.  É o SUS que funciona... E mais do que nunca acredito que a gestão eficiente faz toda a diferença.

Não por acaso, consigo comparar as terapias de marcha que faço no IMIP (treino em pé com objetivo de recompor os passos do paciente), em que utilizo uma esteira em baixa velocidade e um pórtico que sustenta 30% do meu peso, com os mais avançados métodos de fisioterapia do país, sem medo de parecer otimista em demasia.

O principal diferencial desse centro é o amor com que cada funcionário trata seus pacientes, sem ter interesse nenhum a não ser a vitória do mesmo. Fico bem entusiasmada e motivada a tentar superar meus novos limites quando vejo o brilho nos olhos e a vibração dos fisioterapeutas quando consigo ficar cada vez mais tempo em pé sem nenhum auxilio externo. Sinto que eles acreditam em mim, como eu também acredito...

Mas, voltando a falar do fórum de discussão que participei no hospital, para minha surpresa, já que eu acreditava que aquele evento teria como tema principal questões relativas à saúde pública e as condições de assistência daquela instituição, no entanto o mesmo teve como tema mais frequente dos questionamentos dos usuários o SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO. Isso mesmo, o sistema de mobilidade urbana da Região Metropolitana do Recife, já que o Centro de Reabilitação atende a toda a essa região e toda a Zona da Mata.

A representante do Grande Recife Consórcio de Transportes ficou encurralada com tantas perguntas e tantos relatos de ineficiência para atendimento a pessoas com deficiência nos ônibus da frota. Relatos de ônibus que sempre estão com as plataformas quebradas, de motoristas mal treinados e até de agressões, como as relatadas pela Gisele, chocaram não só a mim, mas a todos que estavam presentes naquele fórum.

Preocupa-me esse tema ser sempre recorrente nas nossas conversas quinzenais, mas como podemos calar diante de uma população que clama por seu direito constitucional de ir e vir para pelo menos conseguir ir ao hospital fazer as suas fisioterapias, ir ao médico, cuidar da saúde e se manter vivos.
Ouvi relatos de pessoas que ficaram mais de 4 horas no mesmo ponto de ônibus sem conseguir um único ônibus da sua rota que tivesse com a plataforma funcionando para conseguir ter acesso ao veículo.

Diante dessas situações, eu vos pergunto: uma pessoa que utiliza transporte público e possui deficiência física conseguiria ter uma vida normal de acesso aos diferentes locais? Conseguiria trabalhar? Conseguiria estudar? Conseguiria ter acesso ao lazer?
Amigos, eles lutam para conseguir, pelo menos, ter acesso à saúde e a vida...

Enquanto escrevo, acabei de escutar a Regina Casé no Programa Esquenta falando que temos ¼ de nossa população com algum tipo de deficiência e continuamos fingindo que essas pessoas não existem...

Não dá mais para fingir... Pernambuco possui, Regina, mais de ¼ de sua população com algum tipo de deficiência. São 28% e eu faço parte dessa estatística! E não importa quantas vezes eu caia, estarei sempre aqui para falar não só por mim, mas por todos, que temos primordialmente o DIREITO A VIDA e a vida com dignidade, não aceitamos e não nos sujeitamos mais a sermos mal tratados pela sociedade, pois temos o nosso papel no mundo e estamos aqui para cobrar essa conta e fazer a nossa parte.

Com efeito, um mundo mais igualitário, justo e com as mesmas condições de acesso as oportunidades, será um mundo melhor, aliás, bem melhor...

Além do transporte público, os usuários do IMIP questionaram sobre as possibilidades de utilizarem o PE Conduz, no entanto o programa, que atende a 120 pessoas na Região Metropolitana do Recife com 15 veículos, atende preferencialmente a tetraplégicos e pessoas com alto grau de comprometimento da mobilidade, sendo necessária uma avaliação para saber se os usuários se enquadram no programa. Pela ampla necessidade no estado caberia uma avaliação da ampliação desse programa para possibilitar o auxilio a mais pessoas.

Considerando ainda a inexistência de taxis adaptados para pessoas com deficiência em Recife e em todo o estado e que as vagas em estacionamentos para pessoas com deficiência, que segundo o decreto 5.296 deveria ser de 2%, mas que ainda não são respeitados por muitos estacionamentos que não possuem essas vagas definidas, como também pelo desrespeito ao uso dessas vagas, podemos perceber que há muito trabalho a ser feito para conseguirmos ter um sistema de mobilidade mais adequado as necessidades da nossa população.

Enfim, a vida segue, o tempo passa e vamos sempre aprendendo com as derrotas e com as vitórias. Nos últimos 3 anos aprendi muito... Aprendi que nem sempre o menor caminho é o mais fácil e o melhor... O menor caminho levou a vida de um amigo e colega de trabalho e quase levou a minha... O menor caminho levou o futuro que eu tinha planejado... O menor caminho destruiu muitos sonhos... Mas, vivi para aprender que atalhos não são as melhores soluções, mas que o melhor é sempre seguir o caminho certo.

E o caminho certo, sem dúvida, inclui justiça social, igualdade de condições e cidadania. Vivendo em um país democrático, tendo um governo federal, estadual e municipal comprometido com os mais necessitados e com os que mais precisam de assistência, não espero nada diferente disso.

O que espero e o que mantem a minha esperança nos homens é acreditar que o caminho certo e a era da justiça e da dignidade não tarda a chegar...

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