São quatro irmãs, três delas Maria e uma Ephygênia (“isso
mesmo, caro jornalista, com ph e y”). O que elas fazem deixa muita gente corada
de vergonha. Sabem o que é dedicar uma vida, dia e noite, às necessidades e aos
cuidados de criança e jovens carentes com paralisia cerebral? Pois é isso,
tarefa que muitos não têm coragem de assumir. E nem pensem que há recompensa
material. Não. É uma causa que elas abraçaram para não deixar desamparado quem
precisa de um lar, carinho e amor.
Maria Amélia Pinto da Silva, de 79 anos, Maria Lídia
Costa Pinto, de 80, Maria do Carmo Costa, de 77, e Ephygênia Costa Pinto, de
85, são as quatro irmãs. Quem ensinou o caminho até elas foi a menina Julia
Fernandes Rodrigues Macedo, de 9 anos, que juntou 80 garrafas PET de dois
litros cheias de lacres da latinhas de cerveja e refrigerante e as trocou por
uma cadeiras de rodas para doar aos internos carentes da Creche Tia Dolores. As
Marias e a Ephygênia são as responsáveis pela instituição.
Bom para Adriano, que, em 27 anos, nunca entendeu o redor
de sua vida por causa da paralisia cerebral, mas sente que é querido, amado. Só
não sabe, e nem precisa, que é também respeitado. Na Tia Dolores, ele não é
diferente de ninguém. É simplesmente Adriano, gente da casa. Essa história
começou há quase duas décadas, quando Maria Amélia e Maria do Carmo trabalhavam
no Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus e sentiram que tinham mais para dar,
ampliar o atendimento aos deficientes.
Convidaram Maria Lídia e Ephygênia. “Aceitamos”, disseram
as duas. Mas onde? Procuraram as primas, filha de Dolores, dona de um imóvel de
proporções razoáveis no Bairro Saudade, Região Leste de BH. Reuniram-se,
planejaram e convidaram amigos para ajudar. O começo foi difícil. “Fizemos
churrascos, bazares, rifas, feijoadas para arrecadar fundos. O Waldir Silva
(músico falecido recentemente) fez um show para nós e com o dinheiro compramos
a primeira máquina de lavar”, diz Ephygênia.
Os primeiros hóspedes foram chegando, enviados pela
Pastoral da Criança, Conselho Tutelar e até pelo Núcleo Assistencial Caminhos
para Jesus. “Recebemos até bebê com menos de 2 anos. E a gente saía pelo
bairro, com cestos cheios de fraldas para a vizinhança lavar”, conta Ephygênia.
Era um tempo em que a fralda descartável não estava ainda popularizada ou
acessível e ao bolso do consumidor de média ou baixa renda. E um interno pode
sujar seis ou mais fraldas por dia.
As instalações da Creche Tio Dolores hoje são adequadas
ao atendimento, mas demandou muito trabalho, mesmo depois de instalada. “Ficava
ao lado da casa de nossas primas e precisávamos ampliá-la. Procuramos as primas
e elas disseram que se comprássemos outra casa para elas nos cederiam o
imóvel.” E começou outra batalha para as irmãs. Conseguir doações em dinheiro
para a concretização do negócio e de um sonho. Montaram um serviço de
telemarketing e como a causa é nobre, a ajuda veio. Faltava a obra de ampliação.
Os donos de duas empresas locadoras de veículos cuidaram
da construção do anexo. Da planta à execução do projeto. A casa tem hoje 16
internos, oito mulheres e e oito homens. As irmãs contam com a ajuda de sete
voluntárias. Uma delas, Cleuza, desde a fundação da casa, em 1995. O trabalho é
delicado. O portador de paralisia cerebral é totalmente dependente. A comida,
praticamente líquida, é colocada diretamente na boca ou via parenteral. E é
preciso entendê-los pelos gestos e reações. É a única forma de comunicação que
eles têm.
É reforçar que não é uma internação provisória. É
permanente. Desde que entra na casa, a criança ou o jovem passam a ser filhos
das Marias, da Ephygênia e das sete voluntárias. A maioria tem parentes, pais e
irmãos e raro é a mãe, que às vezes mora até perto, aparecer para ver o filho.
”Só uma mãe e um avô de um dos meninos vêm todas as semanas. Enfim, eles são
nossos. Já perdemos cinco ou seis, o que nos dói muito”, diz Ephygênia. A
assistência médica e hospitalização são garantidas pelo Hospital São Camilo. Há
quem doa os remédios ea casa conta com o apoio de um fisioterapeuta.
“Nossa missão é procurar dar amor e a melhor qualidade de
vida a eles. Tudo o que fazemos é pensando neles”, afirma Ephygênia. Entre os
internos, Irislene Aparecida da Silva, de 21 anos. Não é portadora de paralisia
cerebral. Chegou à casa ainda criança, com 3 anos, enviada pelo Conselho
Tutelar de Divinolândia de Minas, no Vale do Rio Doce. Ele tem artrogripose
congênita, doença que afeta as articulações. Ela acabou de concluir o ensino
médio e faz o trabalho de secretária da Creche Tia Dolores. Tem a pintura como
hobby e já vendeu muitos quadros para ajudar a instituição. “Vendo todos”, diz.
Gosta de TV, de funk e é feliz. Conhecer e ajudar a Tia Dolores é fácil. Está
na internet: www.tiadolores.org.br/
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