terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Só 7,5% não fazem restrição a criança com doença ou deficiência ao adotar

Thiago ReisDo G1, em São Paulo

Dos 33.207 pretendentes no cadastro nacional, 30.705 barram condição.
Hoje, 22% das crianças disponíveis têm alguma doença ou deficiência.

Apenas 2.502 dos 33.207 pretendentes à adoção no país não fazem restrição a crianças com algum tipo de deficiência ou doença, o que representa 7,5% do total. É o que mostram dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), obtidos com exclusividade pelo G1.
Existem hoje 5.699 crianças disponíveis no Cadastro Nacional de Adoção. Do total, 1.256 (ou 22%) têm algum tipo de doença ou deficiência.
Para tentar aproximar os dois grupos, há um ano foi sancionada pelo governo uma lei, a 12.955/14, que prioriza os processos de adoção de crianças deficientes ou doentes crônicas. Para Antonio Carlos Berlini, presidente da Comissão Especial de Direito à Adoção da OAB-SP, no entanto, nada mudou.
“Embora a lei obrigue uma tramitação rápida, são raríssimos os pretendentes que se dispõem a adotar uma criança com essas características. O percentual já é baixo, e não quer dizer que na hora que estes sejam chamados a adoção se concretize. Às vezes, os pretendentes conhecem a criança e não se sentem prontos.”

Em 2014, apenas 26 crianças com alguma doença ou deficiência acabaram adotadas – o número não tem sido muito diferente desde a implementação do cadastro, em 2008. Em 2013, foram seis; em 2012, 24.
“Não é preconceito. Falta informação e falta formação aos pretendentes à adoção. Embora o artigo 50 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) diga que é necessária a capacitação, por vezes ela é dada superficialmente pelas varas de Infância e Juventude. Isso porque elas não têm estrutura nem pessoal capacitado para levar essa mensagem da prioridade que essas crianças têm sobre todas as outras. Falta alargar o horizonte do pretendente à adoção, mostrando que há crianças mais necessitadas”, afirma Berlini.

Para o presidente da comissão especial da OAB-SP, é preciso fazer uma “busca ativa”. “Não dá para esperar que com o preenchimento de um formulário em um balcão seja possível encontrar famílias para estas crianças que mais precisam. É preciso refinar mais a busca dentro do próprio cadastro.”
A presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Suzana Schettini, concorda. “Um dos papéis dos grupos de adoção é justamente esse: procurar famílias para essas crianças, ajudar nessa busca. Mas isso não significa que seja algo fácil ou que a gente encontre.”
Suzana diz que a adoção de uma criança com deficiência envolve diversos fatores. “Não é só uma questão de querer, mas, sim, de poder, no sentido psicológico e financeiro. Infelizmente, as condições de saúde pública no país são muito precárias e, dependendo da dificuldade da criança, são necessárias terapias, consultas médicas diversas. É também um percurso bastante diferente, que exige pais disponíveis e com muita afetividade.”

Barreiras

Apesar do número de pretendentes ser maior que o de crianças disponíveis, inclusive os que aceitam algum tipo de deficiência ou doença, há outros pré-requisitos impostos pelos pais que dificultam o processo.
Do total de pretendentes, só 20% aceitam adotar mais de uma criança. Quase 38% das crianças, por sua vez, aguardam no cadastro junto de um irmão. Cerca de 70% só querem crianças de até 3 anos de idade, mas apenas 4% delas possuem essa faixa etária.

‘Maior presente da vida’

Mãe adotiva de Matheus, de 16 anos, Suzana Schettini diz que esse era um de seus projetos de vida. Ela já tinha duas filhas biológicas quando partiu em busca de mais um filho. “Eu estava divorciada, já tinha 42 anos. Estava me aposentando, com a vida financeira resolvida, tranquila psicologicamente e com muita disponibilidade.”
Sem fazer qualquer restrição – a não ser para irmãos –, foi contatada quando surgiu um bebê, que teve uma lesão cerebral durante um parto difícil, no qual perdeu a mãe. “Quando me ligaram e perguntaram se eu queria conhecer, eu já disse que era meu filho e comecei a chorar. Pediram para eu falar com o pediatra na segunda para ele explicar a situação direitinho antes. Era uma sexta. Mas eu não consegui esperar. Fui na instituição de acolhimento e, no momento em que o peguei no colo, me tornei mãe dele, de alma, espírito e coração. Foi o maior presente da minha vida.”

Suzana diz que foi uma adoção “consciente” e, por isso, o filho nunca se tornou “um peso”. “Ele teve um histórico de convulsões, foi hospitalizado 11 vezes. Foi uma trajetória de sobressaltos, mas sempre me organizei e nunca deixei de fazer nada após a chegada dele. Ele vai à escola e me acompanha em eventos e viagens. Está socializado.”
Antes de Suzana adotar Matheus, outras 13 famílias foram conhecê-lo, mas desistiram do ato. “Eu acho, na verdade, que elas foram responsáveis. Viram que não estavam prontas. Filho é para a vida toda.”

‘Paixões à primeira vista’
A dona de casa Carla Cristina Penteado, de 42 anos, fez mais do que adotar três crianças – todas com alguma deficiência. Percebendo o abismo que separa as crianças dos pretendentes a pais, criou um grupo de apoio batizado de ATE (Adoção Tardia e Especial). Em oito anos, conseguiu fazer com que mais de 80 crianças com deficiência de todas as idades fossem acolhidas.

Segundo ela, um dos principais problemas hoje é o fato de o cadastro não distinguir especificamente qual a deficiência ou a doença das crianças. “Uma deficiência física severa abarca desde um acamado até um cego. Só que a situação dos dois é muito diferente. Se não fosse isso, ia ter o dobro de pessoas aptas à adoção dessas crianças no cadastro”, afirma.
Mãe de Marcela, de 12 anos, que tem paralisa cerebral, de Luana, de 7, que tem síndrome de Down, e de Rafaela, 4, que é cadeirante, Carla resume em uma frase o que a fez adotar as três filhas: “Foram todas paixões à primeira vista”.

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