Do G1
Foi com o uso de uma planta bastante conhecida na medicina popular que a
farmacêutica Ângela Capucho percebeu uma redução significativa dos
efeitos do autismo em seu filho Vinícius, de 7 anos.
A erva de São João, usada principalmente para tratar casos de ansiedade
e depressão, surgiu como uma esperança no tratamento do transtorno no
final do ano passado, ao ser citada em uma pesquisa
feita em parceria com a Universidade de São Paulo (USP). A eficácia da
planta para pessoas autistas – ainda não comprovada cientificamente –
será testada em uma nova etapa do estudo ainda este ano.
O uso da erva e outras pesquisas desenvolvidas sobre o distúrbio que
prejudica o desenvolvimento cerebral e afeta o comportamento e as
habilidades de comunicação são tema de um congresso realizado em Ribeirão Preto (SP). A 1ª Semana Internacional do Transtorno Espectro Autista (TEAbraço) segue até domingo (23) na cidade.
Desde novembro de 2014, quando começou a ministrar doses da erva de São
João para o filho – mesmo sem ter a comprovação científica dos
benefícios da planta – a farmacêutica percebeu mudanças positivas no
comportamento de Vinícius, diagnosticado com autismo grave.
Segundo ela, as cápsulas fitoterápicas de hipérico, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina que só podem ser vendidas com prescrição médica,
ajudaram a reduzir os quadros de estereotipia da doença. “Meu filho
ficava o dia inteiro balançando o corpo ou objetos, no mundinho dele,
era mais hiperativo, pulava muito, gritava, agora está mais tranquilo,
diminuiu essa busca pela estereotipia e parou para prestar mais atenção
no mundo ao redor”, comenta Ângela.
A pesquisa
Melhorias na parte cognitiva, na memória, no foco e na atenção puderam
ser observadas em voluntários que já utilizaram a planta de maneira
preliminar, em chás ou em cápsulas, segundo o biólogo brasileiro Alysson
Muotri, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da
Califórnia em San Diego, nos EUA.
Em laboratório, a equipe do pesquisador “curou” um neurônio autista ao
realizar estudos com células-tronco e aplicar uma droga chamada
hiperforina, o princípio ativo encontrado na erva de São João (Hypericum perforatum).
“O projeto começou quando começamos a coletar células de polpa de dente
de crianças autistas e assim que essas células chegaram ao laboratório
fizemos uma análise genética para descobrir quais as alterações que o
indivíduo possuía em seu genoma. No caso dessa criança, detectamos
mutações no gene TRPC6 além de outros genes”, explica o pesquisador. O
TRPC6 é o gene que regula impulsos nervosos e é importante para a
formação de neurônios.
'Cura' de neurônios
Segundo o estudo, esses genes autistas possuem menos ramificações e
fazem menos conexões que os cromossomos de uma pessoa sem autismo e o
uso de drogas pode reverter os defeitos nos neurônios de pessoas com o
distúrbio. Essa mudança na característica do TRPC6 pode sugerir que
certas doenças do desenvolvimento neural conseguem ser tratadas ou até
mesmo curadas.
Entretanto, o uso da hiperforina para tratar a doença é restrito, já
que há diferentes tipos de autismo, com alterações em diversos genes.
“Nós estimamos que menos de 1% dos autistas se beneficiariam da erva,
pois ela ajudaria apenas uma fração que carrega mutações especificas no
gene TRPC6”, afirma Muotri.
Tratamento personalizado
A reprogramação celular que possibilitou o estudo dos genes em
neurônios de pacientes com autismo vai ajudar a identificar as
alterações genéticas presentes em quem possui o transtorno e, no futuro,
poderá oferecer um tratamento personalizado para cada indivíduo.
“Como o autismo é uma doença heterogênea, pode até ser que tenhamos
tratamentos personalizados para cada paciente, a depender de suas
alterações genéticas”, comenta a pesquisadora da USP Karina Griesi Oliveira.
O uso de drogas específicas para cada alteração que causa o transtorno
neurológico depende do mapeamento genético dos pacientes. Além disso, a
aplicação de medicamentos para tratar o autismo ainda depende de estudos
controlados.
As pesquisas comparativas em pacientes autistas com o uso da erva de
São João, por exemplo, devem começar no segundo semestre de 2015 no
Brasil, após aprovação de um comitê de ética. “É um resultado promissor,
mas entre o resultado e saber se realmente vai funcionar, não sei
quantos anos de pesquisa pode ter ainda”, diz a professora do Centro de
Estudos do Genoma Humano, Maria Rita Passos-Bueno.
Apesar das incertezas e restrições, a farmacêutica Ângela não tem
dúvidas sobre os efeitos medicinais da planta no tratamento do filho.
“Não tem nada comprovado cientificamente para o autismo ainda e se for
esperar vai demorar muito, por isso resolvi tentar”, diz. “Já dei várias
medicações para ele, nenhuma deu resultado e todas davam bastante
efeito colateral. Esta foi uma das únicas medicações que não teve efeito
colateral grave a curto prazo”.
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