O desafio da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho está muito além das exigências da
Lei de Cotas (8.213/1991 – art. 93),
que completa 25 anos no próximo dia 24 de julho. Mesmo com muitas
campanhas de conscientização e com os conteúdos abrangentes e
aprofundados sobre o assunto disponíveis atualmente, ainda existem
muitas barreiras contra a diversidade, que dificultam a plena
compreensão das diferenças como algo benéfico para empresas e
empregados.
Felizmente, cada vez mais, grandes corporações têm apostado na
contratação de pessoas com deficiência e investido em ações para a
desmistificação e o combate ao preconceito. Para saber mais, o blog
Vencer Limites conversou com Yara Baxter, diretora de comunicação
corporativa e responsabilidade social da
Novartis.
Segundo a executiva, o Brasil tem uma diversidade cultural, étnica e de
gêneros que estimula a diversidade, e que precisa ser explorada.
Yara Baxter é diretora de comunicação corporativa e responsabilidade social da Novartis. Imagem: Divulgação
Vencer Limites – Qual a sua avaliação sobre a inclusão de
pessoas com deficiência no Brasil, de forma geral, em todos os setores
(educação, trabalho, saúde, lazer, etc)?
Yara Baxter – Segundo pesquisa recente pela
consultoria Santo Caos, 44,7% das pessoas com deficiência realizam
atividades ocupacionais, mas apenas 1,8% têm registro no Ministério do
Trabalho. Além disso, duas em cada três pessoas com deficiência ainda
sofrem com a rejeição dos companheiros de trabalho.
A partir dessa fotografia, conseguimos identificar que há um caminho
muito grande que deve ser trilhado no que tange à inclusão genuína de
pessoas com deficiência no Brasil. Há muita desinformação sobre o
assunto e ainda há preconceitos. Acredito que todos os representantes da
sociedade civil e organizada devam atuar de forma ativa para que
consigamos atingir um patamar de igualdade, não apenas para as pessoas
com deficiência, mas para um ambiente inclusivo e diverso que atenda a
necessidade de todos.
Atuo na Novartis há mais de 20 anos, e desde a fundação da empresa, o
tema de diversidade e inclusão tem grande relevância. Desde 2008, a
Novartis Brasil formalizou esse compromisso e criou o Comitê de
Diversidade e Inclusão no Brasil. Hoje, o comitê conta com mais de 30
colaboradores que realizam reuniões regulares e atuam, entre outras
atividades, para identificar quais são os reais problemas do dia a dia
de pessoas com deficiência na empresa. Além disso, temos o cuidado de
garantir a presença de um representante de RH para que cada assunto
abordado seja devidamente endereçado e tenha uma resolução oficial.
Outro ponto fundamental é a participação de colaboradores de todas as
hierarquias da empresa, inclusive da alta liderança, que fortalece e
reforça o nosso comprometimento genuíno em proporcionar um bom e
agradável ambiente de trabalho para todos. Na Novartis, nós consideramos
diversidade e inclusão numa perspectiva de 360 graus, não limitado aos
convencionais atributos como: etnia, gênero, religião, orientação
sexual, idade, nacionalidade, a deficiência física e intelectual, mas
também a governança de todas estas frentes. Cada um de nós é diferente e
precisamos respeitar essas diferenças e com isso, aprendemos.
Diversidade e inclusão geram inovação. Aprendemos diariamente com eles e
essa troca de experiências é fundamental e enriquecedor para todos.
2. Quais as principais dificuldades para incluir de fato essa população, para que exerçam a cidadania real?
Yara Baxter – Primeiramente, deve haver uma
conscientização da população com relação às pessoas com deficiência,
desmistificando preconceitos e trazendo informações de qualidade sobre o
tema. A partir do momento que você vence esse preconceito e enxerga o
outro como igual, conseguiremos exercer a real cidadania.
Contratar um funcionário com deficiência pode ser relativamente
simples. Entretanto, para gerar a real inclusão dessa pessoa no ambiente
de trabalho, e proporcionar desenvolvimento profissional e pessoal de
qualidade, é uma tarefa que exige um esforço diário, mas ao mesmo tempo
muito gratificante.
Temos um exemplo na Novartis de uma ação que realizamos em 2013, em
Cambé (PR), onde está a fábrica da divisão Sandoz que produz genéricos.
Com o objetivo de promover a inclusão na região e trazer pessoas com
deficiência para trabalhar na fábrica, a equipe local criou o Projeto
Incluir, que realizou um curso de diagnóstico e capacitação.
Na primeira etapa, foi feito um levantamento e 36 entrevistas foram
realizadas com um grupo integrado por pessoas com deficiências visual,
auditiva, intelectual e física. Os resultados mostraram que a maioria
poderia trabalhar, mas não conseguia cumprir as necessidades da empresa
ou não tinha instrução suficiente para atender ao processo de
recrutamento. Os resultados também mostraram as áreas na quais essas
pessoas querem ampliar o conhecimento, como o aprendizado de uma língua
estrangeira, especialmente inglês, e melhorar a capacidade de lidar com o
computador, com foco em tecnologia da informação.
A partir desses resultados, começamos a segunda fase do processo, que
foi encontrar parcerias para nos apoiar em fornecer a capacitação.
Fizemos a parceria com o SENAI. Eles forneceram o curso e a Sandoz
Brasil cedeu a estrutura da fábrica e transporte gratuito para os
participantes.
Como resultado da iniciativa, a fábrica da Sandoz em Cambé realizou a
formatura de 14 alunos que finalizaram 160 horas de curso com um evento
especial. Nós compartilhamos a iniciativa e currículos dos alunos com
empresas da região, com uma carta assinada e enviada pelo RH e,
recentemente, um dos estudantes do projeto foi contratada para o
departamento de embalagem em Cambé.
Por meio desse exemplo de iniciativa inclusiva, podemos concluir que,
para conseguirmos a cidadania real é necessário que diversas empresas,
entidades, organizações não governamentais e órgãos oficiais participem
ativamente dessas ações e trabalhem de forma integrada.
Comunidade transmitiu eventos. Imagem: Reprodução
Vencer Limites – Qual a força do voluntariado na conquista da inclusão?
Yara Baxter – O fato de ser voluntário abre um
precedente essencial nessa ação. Pra atuarmos de forma voluntária,
precisamos acreditar naquilo que estamos fazendo. Quando isso acontece,
as pessoas veem que é uma ação genuína e resolvem participar de forma
ativa também gerando engajamento.
Vencer Limites – Por favor, explique mais sobre as ações que celebraram o ‘Dia da Parceria com a Comunidade’, principalmente aquelas voltadas às pessoas com deficiência.
Yara Baxter – Foram ações no ambiente digital com o
objetivo de prover informações sobre saúde, qualidade de vida, cidadania
e gerar engajamento por meio das redes sociais corretas. As ações
voltadas às pessoas com deficiência contaram com posts diários sobre
diversidade e inclusão e um depoimento online.
O vídeo sobre a
‘Carona solidária’
estimula um pequeno gesto de conceder uma carona de guarda-chuva ao
cadeirante. Também foi compartilhado nessa semana o aplicativo
‘Hand Talk’,
um tradutor para Libras (Língua Brasileira de Sinais) que auxilia na
inclusão de pessoas com deficiência auditiva. Colocamos também o app
‘Cidadera’, que ajuda a avisar a prefeitura sobre locais de baixa acessibilidade.
Além disso, tivemos o vídeo com o colaborador
Paulo Policastri,
que tem Síndrome de Down e trabalha há 10 anos na empresa. Paulinho
gravou um depoimento e contou como atua no mercado de trabalho, como é o
seu dia a dia e ainda comentou sobre sua especialidade na cozinha. Ele
retratou principalmente a importância da inclusão na sociedade.
Trabalhamos a inclusão em suas diferentes perspectivas,
compartilhando informações por meio de gifs produzidos que trazem mitos e
verdades sobre cada condição e desmistificando doenças que são
marginalizadas, como hanseníase, epilepsia e esclerose múltipla. Todas
essas ações estão disponíveis na comunidade ‘Embaixadores do
Voluntariado’.
Vencer Limites – Quais exemplos positivos de outros países o
Brasil deve observar para garantir a inclusão? E quais exemplos
positivos o Brasil tem para mostrar?
Yara Baxter – Países como Noruega, Austrália, Suíça,
Holanda e Canadá são referências na área de diversidade e inclusão,
pois possuem uma base educacional sólida e condições socioeconômicas que
propiciam um ambiente mais igualitário. Não precisamos citar ações
complexas. Iniciativas simples fazem a diferença, como por exemplo, os
ônibus em alguns países na Europa já são produzidos de acordo com a
altura das calçadas para facilitar as entradas dos passageiros e
cadeirantes, as estações de metrô possuem rampas de acesso e facilitam a
circulação. Muitas vezes, esses pequenos detalhes que fazem a diferença
na vida de um cadeirante colocam o Brasil em uma posição de
desvantagem.
Apesar disso, no Brasil, temos uma diversidade cultural, étnica e de
raças e gêneros formidável que contribui para troca de experiências e
que propiciam um ambiente diverso de uma forma inovadora e que tem muito
potencial para ser melhor explorada.
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