quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Nem sempre gênios, nem sempre isolados: autistas são seres múltiplos



 Por Jairo Marques

É muito comum ver destacado nas mais diversas mídias chamadas como “Autista é o primeiro colocado em medicina”; “Garoto com autismo resolve quebra-cabeça de 1 milhão de peças”, “Menino com autismo inventa o próprio avião”.

Não à toa, oficialmente, se diz que uma pessoa está dentro do “espectro do autismo”, o que pressupõe que ela tenha características que estão englobadas dentro da síndrome, que tem em sua essência diversas maneiras e formas de manifestação.

De certo modo, quando se celebra o autista “gênio” joga-se mais estigma e mais carga preconceituosa sobre aquele indivíduo que não tem superinteligência.

Não penso que se deva ignorar os feitos entusiasmantes dessas pessoas, mas, sim, que haja equilíbrio na maneira que o “gênio”, o “anjo” ou o “problemático” são apresentados para a sociedade, sempre se levando em conta a multiplicidade de possibilidades do espectro.

Mas para contar melhor isso, convidei meu amigo Marcos Weiss Bliacheris, 47, advogado da União, palestrante e pai de dois garotos, um deles com autismo, para exemplificar melhor os perrengues dessas representações equivocadas no dia a dia das famílias.

O texto joga luz sobre uma série de conceitos que insistimos tratar de maneira equivocada ou estereotipada, o que prejudica demais a inclusão, o reconhecimento e a aderência de autistas à vida social, cultural e cotidiana!


A cena é tão corriqueira que não me espanta mais: metrô lotado no final da tarde, meu filho está sentado em um dos assentos especiais. Aqueles reservados a pessoas idosas, grávidas e com deficiência. São comuns os olhares condenatórios, ouvir um “que absurdo”, olhando para mim ou para ele. Não é difícil aparecer alguém pedindo para sentar onde ele está.

Meu filho fica sempre constrangido nessa situação e sou eu que respondo: ele é autista, tem direito de estar sentado aí. Penso, mas não digo, que para ele, viajar sentado em um metrô cheio já é um tormento. Viajar em pé, verdadeira tortura.

Geralmente, o constrangimento muda de lado. A pessoa pede desculpas e muitas vezes se defende dizendo que não tinha como saber que ele é autista. E isso é verdade, afinal o autismo não tem cara.

Apesar disso, nas capas de revistas e filmes, o autista se parece com meu filho: quase sempre é um menino ou adolescente branco. Nos filmes, a mesma coisa. Esse estereótipo do autista criança e adolescente faz com que as pessoas esqueçam que (surpresa!) autistas crescem e se tornam adultos.

Outra consequência do autista ser retratado como menino branco é o subdiagnóstico de meninas autistas e de pessoas autistas negras ou indígenas.

Não saber ser autista significa que você e os outros não entenderão sua própria identidade além de não receber o suporte necessário para o dia a dia, seja a prescrição de terapias e medicamentos ou o direito ao assento preferencial no metrô ou o à fila menor, e –haja ansiedade para enfrentar uma fila para comprar o bilhete com ele.


Outro espanto das pessoas no metrô é perceber como meu filho é tagarela. O autismo é um espectro amplo, tem gente de todo tipo lá. Mas, na maior parte das vezes, pensamos no autista não-verbal, que não se expressa com palavras ou no gênio antissocial e incompreendido, tipo um “Dr. House da vida”. Autistas podem não falar, falar pouco ou falar muito.

Depois disso pode entrar uma pergunta recorrente que estranhos fazem. “Ele é um gênio?” ou “Qual é o talento dele?”. Como se todo autista fosse genial, o que não é verdade. Autista é gente e nem toda pessoa é um gênio, né? Ninguém entra com um filho no consultório médico e sai lá com um atestado de ser pai ou mãe de um possível Bill Gates.

No metrô, também pode acontecer outra conversa incômoda. Pois muitas pessoas insistem em falar de tratamentos médicos ou da cura do autismo. Posso garantir para vocês que a maioria dos pais e mães de autistas possui conhecimentos para dialogar sobre o tema com especialistas na área.

Até hoje não conheci nenhum autista ou seus familiares que precisassem perguntar dicas para estranhos na rua. Dada a realidade atual, com serviços públicos precários e os serviços privados caríssimos, eu se fosse você, optaria por conversar sobre educação financeira ou métodos para fazer o salário durar os trinta dias de cada mês. Aposto que seria mais útil e interessante.

E fica a dica: pessoas com deficiência podem ouvir ou entender o que você fala. Então, não fale de alguém como se ela não estivesse lá. É constrangedor ter que responder perguntas pessoais no metrô (ou no ônibus, na fila do pão…) assim como responder perguntas que deveriam ser feitas diretamente para a pessoa com deficiência.

Autistas e todas pessoas com deficiência têm o direito e querem andar pelas ruas e merecem ter seu espaço e suas vontades direitos respeitados. Então, na próxima vez que você passar por uma pessoa diferente de você na rua ou no metrô, tente exercitar um pouco mais de sua empatia e julgar um pouco menos. Você e ele ganharão com isso!


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