Desde que ficou paraplégica após um acidente de carro em
2006, a estilista Michele Simões, de 31 anos, batalha diariamente para
recuperar parte das funções que perdeu. Durante os primeiros quatro anos, ela
não conseguia nem ficar sentada. Hoje, após muita reabilitação, já se locomove
em sua cadeira de rodas, mas ainda precisa de ajuda para se deslocar em lugares
não planos e para outras funções do dia a dia.
Neste sábado (3), Michele vai dar um grande passo nessa
luta por autonomia: partirá para um intercâmbio de dois meses na cidade de
Boston, nos Estados Unidos. Suas aventuras serão contadas em um blog, o Guia do viajante Cadeirante.
A viagem é um sonho antigo, que teve que ser adiado após
uma conversão errada de um amigo no trânsito. Michele, que tinha 24 anos,
estava deitada no banco de trás do carro e quebrou a coluna.
Recém-formada em design de moda em Londrina (PR), ela
havia se mudado para São Paulo dois meses antes e planejava juntar dinheiro
para estudar inglês fora do país.
“Eu já trabalhava, me sustentava, me virava sozinha e, do
dia para a noite, virei um bebê. Tinha que pedir para alguém me ajudar em
tudo”, descreve. Michele conta que sempre quis conhecer o mundo, mas não achou
que conseguiria tão cedo. “Eu não conseguia nem tocar minha cadeira, imagina
morar fora.”
Além de perder as funções da perna, Michele não conseguia
controlar a urina nem ficar sentada. Contava com a ajuda de cuidadoras noite e
dia, além do auxílio de sua irmã, que foi morar com ela, e do namorado, com
quem havia começado a sair pouco antes do acidente e que está ao seu lado até
hoje.
Após fazer reabilitação diariamente durante várias horas
– em casa e em clínicas de São Paulo e de Campinas --, Michele teve uma evolução maior a partir do
quarto ano do acidente.
Agora, resolveu testar “até onde vai sua independência”
com essa viagem.
Boston foi a cidade escolhida por ter ruas planas e
acessíveis para pessoas com deficiência. Porém, ela teve que desistir dos
planos de ficar em casa de família ou em alojamento estudantil porque não
conseguiu garantia de que encontraria acessibilidade nesses locais.
Decidiu, então, morar em um hotel ligado à sua escola de
inglês. “Quero ter mais segurança. É a
primeira viagem que estou fazendo”, diz.
Preparativos e planos
Na verdade, Michele já havia viajado uma vez após seu
acidente. Passou cinco dias na Argentina com seu namorado, mas não gostou da
experiência. “Foi terrível, porque lá não tem adaptação nenhuma, ele tinha que
me carregar para todo lado”, diz.
Desta vez, o namorado vai passar um tempo com ela nos
EUA, mas ela garante que vai seguir boa parte de sua rotina sozinha, até para
ter material para o seu blog – no qual pretende contar sobre a sua rotina,
compartilhar os desafios que enfrenta como cadeirante e os passeios que fará
por “cada cantinho” de Boston.
Ela quer ainda visitar um centro de design que cria
produtos para pessoas com deficiência e um centro de reabilitação ligado à
Universidade Harvard. “Se eu compartilhar isso com outras pessoas, acho que
posso ajudar muita gente”, afirma.
Nos preparativos da viagem, ela está tendo que se
preocupar com novas questões: comprar uma sonda de urina específica para usar
durante o voo, pedir à companhia aérea uma cadeira de rodas mais estreita para
se locomover nos corredores do avião, alguém para ajudar no embarque, no
desembarque e para recolher a bagagem, por exemplo.
Ela também está levando remédios para tomar durante dois
meses e uma mala só com sondas e outros utensílios. Para ter menos dores, fará
alguns exercícios de reabilitação em seu quarto.
Um de seus maiores desafios será se locomover sozinha nas
ruas, ainda mais tendo que falar em outro idioma. Michele está treinando com
seus fisioterapeutas para dar conta do recado.
“Hoje eu não consigo nem descer na minha calçada porque
ela é íngreme, tem uma parte quebrada, e além disso tem um degrau no meu
próprio prédio. Outro dia fui até o shopping com meus pais e foi uma aventura,
quase caí varias vezes. Dá um certo medo porque vai ser tudo novo”, diz.
Mas ela acha que dividir sua experiência no blog vai
ajudá-la nesse caminho. “Não estou tentando ser exemplo de nada, mas quero
compartilhar uma coisa que para mim é um desafio”, diz.
Fonte,Flávia Montavani-G1 São Paulo
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