Por José Luiz Gonzaga do Prado
O texto bíblico mais escandaloso sobre os deficientes
físicos é Lv 21,18ss, em que se proíbe a pessoa com deficiência física de ter
atuação direta no culto divino. Esse princípio, porém, não volta em nenhuma
outra passagem — quer do Primeiro, quer do Segundo Testamento. Nem mesmo os
textos rabínicos — pelo menos os colecionados por Bonsirven[1] — citam uma vez
sequer Lv 21,18ss. A exclusão do ministério litúrgico parece ser apenas um eco
da repetida proibição de sacrifícios de animais defeituosos[2]. Nesse caso a
razão é óbvia: se vais oferecer alguma coisa a Deus, que não seja algo que já
não te serve e não sabes o que fazer dele, como um boi velho, surdo e
estropiado, uma vaca estéril, uma ovelha cega, um cabrito cambeta ou um novilho
descadeirado ou de perna quebrada.
A única influência que Lv 21,18ss parece ter tido foi na
antiga legislação eclesiástica católica. O Código de Direito Canônico de 1917,
em seu cânon 984, excluía do ministério sacerdotal portadores de diversos tipos
de deficiência. Uma possível dispensa da “irregularidade” era reservada ao sumo
pontífice. E vários candidatos pelo mundo inteiro tiveram de se submeter a um
exigente processo para alcançarem a dispensa e poderem ser ordenados padres. O
atual Código de Direito Canônico (CDC 1.040ss.) excluiu explicitamente qualquer
irregularidade ou impedimento ao ministério sacerdotal por motivo de
deficiência física.
1. DEFICIÊNCIA E TEMOR DE DEUS
Quando falam da deficiência física como tal, os textos do
Primeiro Testamento exigem um respeito total à dignidade da pessoa com qualquer
deficiência. E ligam o respeito à dignidade do deficiente à ideia de temor de
Deus ou do SENHOR. Como o mais fraco, qualquer que seja a sua limitação, não
incute medo, temor ou respeito, deve-se temer a Deus, que está do seu lado e o
defende, já que ele não tem como fazê-lo.[3]
Assim é que lemos em Lv 19,14: Não amaldiçoes o surdo,
nem ponhas tropeço diante do cego, mas temerás o teu Deus. Eu sou o SENHOR. O
texto hebraico parece dizer: Mas terás medo é do teu Deus. O deficiente visual
ou auditivo não pode cobrar tua falta de respeito, não te ouve ou não vê o que
fazes, mas o teu Deus está aí em defesa deles. Teu Deus é Javé, o SENHOR, o
Deus histórico, o Deus que ouve o clamor dos explorados (Ex 3,7-14), o Deus defensor
dos fracos; por isso é a ele que deves temer, respeitando a dignidade da pessoa
com deficiência.
Dt 27,18, expressando os mandamentos em forma de
maldições, diz: Maldito quem desviar o cego do seu caminho. E essa maldição se
encontra entre a daquele que rouba terra do seu vizinho (v. 17) e a do que
desrespeita os direitos do migrante, do órfão e da viúva (v. 19), dos quais
Javé é o defensor (Sl 146[145],9).
Jó, ao relembrar seu antigo prestígio, quando era reflexo
da glória de Deus, dá a razão central desse prestígio[4]: ele era os olhos do
cego e os pés do coxo (Jó 29,15). E Davi (2Sm 9,13) sustentou até o fim da vida
o seu possível rival, o neto de Saul, Meribaal, que, quando criança, tinha
caído e quebrado as pernas, ficando deficiente.
2. DEFICIÊNCIA REAL OU SIMBÓLICA?
Em outros e mais numerosos textos do Primeiro Testamento,
as deficiências, especialmente a visual e a auditiva, aparecem mais fortemente
como símbolos de atitude, comportamento ou situação pessoal.
Assim é que em Ex 4,11, respondendo a Moisés, que alega
falta de destreza para falar, se diz que Deus é quem dá boca ao mudo e visão ao
cego. No Salmo 146(145),8 o SENHOR devolve a vista aos cegos e levanta quem
caiu. Entre as maldições de Dt 28 encontra-se esta, nos vv. 28 e 29: O SENHOR
te ferirá de cegueira, loucura e delírio. Em pleno meio-dia andarás tateando
como cego na escuridão. Não terás êxito em nenhum de teus projetos, ao
contrário, serás sempre oprimido e espoliado, sem que ninguém te socorra. É
evidente que se trata de uma imagem, para falar de situações bem piores do que
a simples deficiência física (cf. Lm 4,14). Por outro lado, fica também claro o
que significa, por exemplo, a cegueira simbólica e quais as suas consequências.
Quem não enxerga e é conduzido por outros será sempre explorado e nada
conseguirá.
Os profetas, quando anunciam a esperança de retorno do
exílio da Babilônia, falam de deficientes que podem ser reais ou/e simbólicos.
Seriam deficientes reais quando os textos parecem aludir aos que tiveram os olhos
vazados ao ser levados para o exílio e aos mutilados de guerra. Por outro lado,
a presença deles entre os que retornam é símbolo de enorme alegria e cura de
todos os deficientes físicos, psicológicos ou sociais. Assim é que lemos em Jr
31,8: Pois vou trazê-los do país do norte, dos extremos da terra hei de
reuni-los. Entre eles cego e aleijado, mulher grávida e parturiente. Em grande
multidão voltam para cá. E em Isaías 29,18: Os surdos nesse dia vão ouvir a
leitura das palavras deste livro e, sem névoa ou escuridão, os cegos hão de
ver.
A evidência do sentido simbólico aparece em Is 43,8:
Manda vir este povo que é cego, embora tenha olhos perfeitos, manda vir este
povo que é surdo, embora tenha ouvidos. E, vendo a gravidade maior ainda das
deficiências simbólicas, mesmo quando ligadas a deficiências físicas ou sendo
consequências delas, lemos em Is 42,18-22: Escutai, ó surdos, cegos, olhai bem
para ver! Quem é cego, senão o meu servo, quem é surdo, senão o mensageiro que
estou mandando? Muita coisa viste, mas nada guardas, abriste os ouvidos e nada
ouviste. Por amor de sua justiça, o SENHOR queria engrandecer e glorificara sua
Lei. Seu povo, porém, é um povo espoliado e roubado, todos presos nas
masmorras, todos internados nos presídios. É entregue ao saque e ninguém para
livrá-lo! Em Is 56,10-11 os governantes são comparados a cachorros cegos e
mudos: Nossos guardas estão cegos, nenhum deles percebe. São todos cachorros
mudos, nem sabem latir. Estão sonhando deitados, seu prazer é dormir. Cachorros
gulosos, nada os deixa satisfeitos. Tais são os pastores, incapazes de
entender. Todos, a começar dos últimos, só pensam na carreira, cada qual em
busca do próprio interesse.
A esperança da restauração após o exílio, comparada a uma
cura de toda a deficiência, explode em poesia especialmente em Isaías. O servo
do SENHOR tem como missão não só unir o povo de Israel, mas ser luz para todas
as nações e abrir os olhos aos cegos (cf. Is 42,6-7). A beleza toda do sonho
aparece no capítulo 35 de Isaías: Fortalecei esses braços cansados, firmai os
joelhos vacilantes. Dizei aos aflitos, “Coragem! Nada de medo! Aí está o vosso
Deus, é a vingança que chega, é o pagamento de Deus, ele vem para vos salvar!”
Então os olhos dos cegos vão se abrir e abrem-se também os ouvidos dos surdos.
Então os aleijados vão pular como cabritos e a língua dos mudos entoará um
cântico.
3. NO SEGUNDO TESTAMENTO
Os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos estão recheados de
episódios de cura de deficientes físicos. Com a cura de outras doenças ou
enfermidades, também a dos deficientes significa a compaixão de Jesus e de seus
discípulos pelo povo sofredor (cf. Mt 9,16) e a chegada de um mundo novo, o
reinado de Deus (cf. Mt 10,7-8; Lc 9,2; Lc 10,9).
Por sua vez, as narrativas evangélicas, especialmente as
de Marcos e de João, estão carregadas de simbolismo e mostram algo mais
profundo, que vai bem mais além da simples cura de uma limitação física. Esta é
superável com a ajuda dos meios adequados e, superada, pode até se transformar
numa força moral maior para aquele ou aquela que parecia mais débil. O mais
sério e necessário é superar a deficiência por razão social, psicológica ou
espiritual: a incapacidade — por medo, por submissão, por opressão, por engano
ou por alienação — de ver, saber, falar, tomar iniciativa, agir. É mais para
isso que apontam os episódios de cura nos Evangelhos e é nesse sentido que
vamos ler alguns.
3.1. O tetraplégico e o pecado
Os Evangelhos segundo Marcos e segundo João falam da cura
de um paralítico, e as duas cenas têm em comum a relação estabelecida entre
doença e pecado.
O paralítico de Marcos (2,1-12) vem carregado por quatro.
Simboliza o gentio que vem dos quatro cantos do mundo, dos quatro ventos ou
pontos cardeais. O gentio era considerado pecador só pelo fato de não ser
judeu.
Jesus está em casa, formando a sua comunidade no meio dos
judeus; os estribas ainda estão ali sentados, isto é, ensinando, ditando as
leis. Não permitem que o gentio se aproxime de Jesus, que chegue ao menos à
porta. É preciso, rompendo todas as conveniências, abrir um buraco no teto e
descer o homem até onde está Jesus.
A condição de pecador do gentio, sua inconsciência, é que
o tornava paralítico, sem um mínimo de ação. Jesus vê a fé deles, dos quatro,
símbolo de todos os gentios que procuravam com tanto esforço aderir a ele, e
diz ao paralítico, que os simbolizava a todos: Teus pecados estão perdoados!
Livre do pecado, da inconsciência, da alienação, ele pode sair do local ainda
dominado pelos escribas e ir para a sua casa, a sua comunidade, carregando a
maca em que era carregado! Já não é inválido, incapaz de se movimentar e de
agir por si mesmo. Livre da antiga condição de pecador, está livre da paralisia
e carrega a padiola que o carregava.
O de João (5,1-18) está doente há 38 anos. Por pouco,
apenas dois anos, essa doença não se torna definitiva. Ele está acompanhado de
uma multidão de cegos, coxos e paralíticos prostrados junto aos cinco pórticos
da Porta das Ovelhas. Aqui o domínio farisaico dos cinco livros da Lei, o
Pentateuco, é que tornava cegas e inválidas suas ovelhas. O sistema religioso
em que uma pequena elite domina o saber e a consciência de todos cria essa
multidão de cegos, surdos, coxos, paralíticos.
Quando Jesus pergunta ao doente se quer ser curado da
paralisia, ele responde que não há um homem que o leve à água… Jesus é esse
homem. Ele o leva à água do batismo e o livra da paralisia que a Lei apropriada
pelos fariseus impunha. Agora o curado carrega a padiola em que era carregado.
Agora é certo que o homem não foi feito para a Lei, mas a Lei para o homem.
Mas era sábado e vem o conflito. Carregar objetos no
sábado é obra proibida pela Lei, ainda mais quando aquela maca pode simbolizar
a própria Lei… Quem tem o domínio da Lei, a não ser os dirigentes que tudo
sabem?
Jesus encontra o ex-paralítico no Templo: terá voltado
para a antiga instituição comandada pelos fariseus? E diz-lhe: Olha, estás
curado. Não peques mais para que não te aconteça coisa pior. O pecado do
cristão judeu será voltar à antiga religião e deixar-se guiar e carregar
novamente pelos seus dirigentes. Sua situação, sua paralisia, ficará ainda pior
do que a anterior.
3.2. Os cegos
Vamos ler três episódios de cura de cegos — dois de
Marcos e um de João. Marcos emoldura o trecho da subida para Jerusalém, subida
para o enfrentamento final, com duas curas bem significativas e questionadoras
dos dirigentes atuais da comunidade cristã. João, antes de apresentar Jesus
como o verdadeiro e único pastor, mostra-o curando um cego de nascença,
destinado a ser guiado a vida toda pela mão de outros.
3.2.1. Os cegos de Marcos
Antes da profissão de fé de Pedro, a qual marca, no
Evangelho segundo Marcos, o fim da missão na Galileia e o início da subida para
Jerusalém, temos o episódio do cego de Betsaida (8,22- 26).
Levam o cego, então dependente, até Jesus e pedem-lhe que
toque nele. O cego não parece capaz nem de pedir. Bastará o toque de Jesus? Não
é tão simples. Primeiro Jesus o leva para fora da cidade. A cidade tal como se
encontra estruturada, impede que a pessoa enxergue. É preciso primeiro
afastar-se dela.
A cura não se dá instantaneamente, passa por etapas. A
saliva e a imposição das mãos, a palavra, a ação… começam a produzir efeitos, o
cego começa a ver alguma coisa, mas ainda confunde gente com coisas, pessoas
com árvores. Nova imposição das mãos, mais ação diante dos olhos, e o cego
passa a ver perfeitamente, até de longe.
Jesus o manda para casa, proibindo-o de entrar na cidade.
A maioria das traduções, para evitar a incoerência narrativa (como irá para
casa sem entrar na aldeia?), dizem apenas que Jesus o despediu, em vez de
mandá-lo para casa, como está no original. A incoerência continua. Por que o
cego curado não pode entrar na aldeia onde morava? No grego está literalmente:
Mandou-o para a sua casa, dizendo: “Não entres de maneira nenhuma na aldeia!”.
Se ele retornar à cidade — aos critérios, mentalidade e
estrutura da sociedade —, voltará a ficar cego, tornará a confundir gente com
árvores e não enxergará mais. Por isso não deve entrar na aldeia. Por outro
lado, a sua casa é a comunidade cristã. Para lá ele deve ir. Ali será ajudado a
continuar enxergando e a enxergar cada vez mais longe.
Logo em seguida vem a profissão de fé de Pedro e começa a
subida para Jerusalém, com os três anúncios da paixão e a resistência (ou
cegueira) dos discípulos — principalmente dos Doze — em aceitar que Jesus seja
o Messias sofredor, que ele tenha de passar por todo o tipo de humilhação, como
vinha anunciando. Os discípulos admiram a coragem de Jesus, comportam-se como
torcida — os que o seguem talvez enxerguem, vão com medo, enquanto os Doze
preferem discutir a partilha do poder.
Em 10,46 chegam a Jericó, a última cidade antes de
Jerusalém. Vem, então, o episódio do cego Bartimeu (10,46-52).
A multidão e os discípulos estão andando com Jesus,
enquanto o cego está sentado à beira do caminho. O cego chama Jesus de Filho de
Davi, todos mandam que se cale, mas ele continua: Filho de Davi, tem pena de
mim! Na época em que o Evangelho foi escrito, os revoltosos que disputavam o
poder em Jerusalém davam-se o título de Filhos de Davi, atribuindo-se o
messianismo nacionalista, a esperança de um rei, Filho de Davi, que libertasse
a nação do poder romano.
Mesmo assim, Jesus o chama. “Coragem! Levanta-te! Ele te
chama!” O cego jogou o manto fora, deu um pulo e aproximou-se de Jesus. Curioso
é o cego jogar fora seu manto, dar um pulo e ir até Jesus sem ajuda de ninguém.
É indício de que o simbolismo fala mais alto do que a coerência narrativa. O
manto significa a própria pessoa, sua vida. Abandonar o manto significa o que
Jesus tinha dito a quem quisesse segui-lo (8,34): Renuncie a si mesmo, tome a
sua cruz e siga-me!
Pedro havia censurado Jesus quando falava da paixão em Mc
8,32. Em 9,32 os discípulos não entenderam, mas ficaram com medo de perguntar,
e, mais adiante, em 10,35ss, os Doze interrompem a fala de Jesus sobre a cruz,
para discutir a partilha do poder. Agora o cego que estava sentado à beira do
caminho joga para trás o seu manto, a sua vida, e de um pulo vai até Jesus.
Está curado: Tua fé te salvou! E ele foi seguindo Jesus pelo caminho!
3.2.2. O cego de João
Os dirigentes da religião judaica, como mostra o final do
capítulo 8, querem matar Jesus. Ele se esconde e se afasta deles, sai do
Templo. Ao passar, já no capítulo 9, Jesus vê um cego de nascença. Jesus toma a
iniciativa, vê e se interessa. O cego é de nascença. Não pergunte como se pode
reconhecer que um cego seja de nascença ou não. Ele nasceu na instituição
religiosa comandada pelos que, sabiam, nasceu cego, para continuar cego,
mendigo, dependente, comendo pela mão dos outros a vida inteira.
De quem é o pecado não é importante aqui — o caso dele
vai mostrar qual o projeto de Deus. Com a saliva e a terra do chão, com a
palavra e a realidade da vida, Jesus faz barro — vai refazer o ser humano. O
cego, mendigo, que ficava sentado, totalmente dependente, vai se tornar mais
gente, senhor de si. Com o barro Jesus unge os olhos do cego. Lembra a unção
batismal e manda que ele vá se lavar nas águas do Enviado. Desde o início do
cristianismo o batismo é chamado de iluminação, de abrir os olhos. O cego vai,
lava-se e volta enxergando. É essa a obra de Deus: que o ser humano seja
iluminado, enxergue por si, seja plenamente humano. O texto grego desse
capítulo repete à saciedade o termo ánthropos.
Começa o conflito. Os guias não querem perder o seu cego.
Os outros cegos não querem perder o companheiro, os vizinhos e conhecidos levam
o ex-cego aos dirigentes, era sábado quando Jesus amassou o barro — e amassar
barro era uma das obras proibidas no sábado. Os guias vão saber se não há
alguma coisa errada aí. Ele cometeu um pecado — é evidente, infringiu claramente
a Lei! —, mas fez algo que sem Deus não se pode fazer. Os próprios guias já
divergem entre si. Para o ex-cego não há dúvida, Jesus é alguém que fala em
nome de Deus, é um profeta.
Quem sabe esteja ocorrendo um engano — ele nunca tenha
sido cego e Jesus não tenha feito mais que o pecado de amassar barro no sábado?
Os pais do cego que abriu os olhos testemunham, mas não se comprometem, pois
têm medo dos donos da verdade.
O raciocínio dos letrados não pode falhar, mas os fatos
afirmam o contrário: o “pecador” fez algo que só alguém vindo de Deus poderia
fazer. É evidente que os donos da verdade não podem aceitar a lição dos fatos,
principalmente se é um cego de nascença que tenta mostrar o que os fatos
ensinam.
Jesus veio — e esta é a obra de Deus — fazer que os
guias, os donos da verdade, apareçam como cegos e que os destinados a
permanecer sempre cegos comecem a ver e dispensem os guias. Se há algum pecado,
este é dos guias que não se aceitam como cegos, que não querem ver nem aprender
da realidade.
O projeto de Deus é este: iluminar, abrir os olhos,
acabar com a submissão cega da multidão a uma pequena elite que domina o saber
e os meios de comunicação, de convencimento e de atemorização das ovelhas.
Nossos projetos pastorais bem que poderiam também caminhar por aí, mas…
3.3. A ressurreição de Lázaro — uma síntese
O episódio da ressurreição de Lázaro traz uma frase (Jo
11,44) que, considerada do ponto de vista meramente narrativo, diz algo
totalmente incoerente, senão absurdo. O morto saiu com as mãos e os pés
amarrados, enquanto seu rosto era envolvido pelo sudário. Onde já se viu morto
sair de mãos e pés atados e, ainda, com o rosto totalmente coberto, enrolado
por um pano? O absurdo é indício de que o simbolismo, e não a coerência dos
fatos, guiou o texto do autor.
Quem está de mãos e pés atados, incapaz de se mover e de
agir, com o rosto totalmente coberto, sem enxergar, sem ouvir, sem perceber,
sem possibilidade de falar, sem cara reconhecível, sem identidade, está morto.
E quantos desses mortos encontramos por aí?
E Jesus só diz uma coisa aos discípulos de então e de
todos os tempos: Desamarrai-o e deixai-o ir!
[1] J. Bonsirven. Textes Rabbiniques des deux premiers
siècles chrétiens. Roma: Pontifício Instituto Bíblico, 1955.
[2] Cf. Dt 15,21; Ml 1,8.
[3] Veja Ex 22,22-23(23-24) e 26(27): se o oprimido
clama, Deus está do seu lado. Gn 42,18: José do Egito, porque tem temor de
Deus, não prejudica seus irmãos. Ex 1,17: as parteiras do Egito, por temor de
Deus, não matam os meninos hebreus. Is 11,3-9: inspirado pelo temor do SENHOR,
o novo rei dará a sentença em favor dos humilhados do país. Lc 18,1-2.4: o juiz
sem temor de Deus, ou que não respeita ninguém, não atende a viúva.
[4] Esse versículo fica exatamente no centro, entre os
versículos 12 e 17, que se correspondem, segundo a retórica semita, em forma de
sanduíche (pão, queijo, presunto, queijo, pão): (pão) socorria o pobre e a
viúva (vv. 12 e 13) e arrancava a presa dos dentes do injusto (v. 17), (queijo)
vestia-se do direito e da justiça (v. 14) e, pai dos pobres, examinava com
cuidado a causa do migrante (v. 16).
Fonte-Vida Pastoral
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