Por Leonardo
Sakamoto
Há um lobby em curso no Congresso Nacional que pode levar
à segregação de estudantes com deficiência nas chamadas escolas especiais.
Pesquisas científicas e a experiência mostram que os alunos com deficiência podem
aprender mais em ambientes inclusivos. Ganham eles e ganha a sociedade com a
redução da discriminação devido ao convívio.
Para tratar do assunto, pedi um artigo para a jornalista
Patricia Almeida, coordenadora da agência de notícias Inclusive/Inclusão e
Cidadania e membro do Conselho da Down Syndrome International. Ela participou
dos esforços que levaram à ratificação da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência pelo Brasil. E, mais importante, é mãe de Amanda, de 9
anos, que nasceu com síndrome de Down:
O Plano Nacional de Educação (PNE), que norteará a
política do setor nos próximos dez anos, está sendo debatido no Congresso
Nacional. Para um grupo de brasileiros, aqueles com algum tipo de limitação, o
plano pode não cumprir a meta de aprimorar a educação. Ao contrário, poderá ser
visto como um grande retrocesso nas políticas de inclusão social e capacitação
de pessoas com deficiência.
Com “as melhores intenções”, um grupo de deputados
federais e senadores lidera campanha para segregar estudantes com deficiência
nas chamadas escolas especiais. Utilizam o argumento falacioso de que nesses
estabelecimentos as crianças e adolescentes recebem atendimento exclusivo em
ambiente protegido. Talvez pudessem dizer que sua ausência no ensino regular
também beneficia o rendimento dos alunos “comuns”.
Ambos os argumentos são enganosos, mas extremamente
difundidos entre os brasileiros. Pesquisas científicas e a experiência mostram
justamente o contrário: os alunos com deficiência aprendem mais em ambientes
inclusivos – e não apenas seus colegas, como toda a comunidade, ganham com o
convívio. A inclusão escolar é também o melhor antídoto contra a discriminação
e, por isso, nos países desenvolvidos já é prática desde os anos 70.
Embora ainda precise melhorar muito, o Ministério da
Educação tem se esforçado para receber esses novos alunos na rede de ensino.
Cada vez mais, eles estão saindo de casa ou deixando as escolas especiais e
migrando para o ensino regular. Prova disso é que houve um impressionante aumento
de quase 1.000% das matrículas de alunos com deficiência nas escolas entre 1998
e 2010.
Mesmo assim, ao invés de concentrar os esforços em
garantir a qualidade necessária para que os estudantes que estão sendo
incluídos progridam em salas de aula comuns, o lobby das instituições
assistenciais que se dizem representantes das pessoas com deficiência como
Apaes, Pestalozzis e outras no Congresso Nacional é na direção contrária.
E é também na contramão da lei e dos direitos humanos o
posicionamento dos senadores da comissão de educação, que apoiam o texto
defendido pelas escolas especiais. A redação proposta inclui que as crianças
com deficiência devem estudar “preferencialmente'' nos estabelecimentos de
ensino regular. Embora pareça uma mudança pequena, essa palavra cria duas
classes de alunos, os “mais deficientes'' e os “menos deficientes'', os
“incluíveis'' e os “não-incluíveis''. E isso, além de inaceitável, vai contra a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 2009 como norma
constitucional.
Imagine uma mãe que vai matricular seu filho numa escola
perto de casa e tem que ouvir da diretora que por conta daquele
“preferencialmente'' a escola não precisa mais aceitar a criança? São mais de
600 mil estudantes com deficiência incluídos na rede regular de ensino público
e privado. O que dizer a essas famílias? Acabou a festa? Mande seu filho de
volta pra exclusão, de onde ele nunca devia ter saído?
Mas por que a inclusão não interessa às entidades
filantrópicas? A resposta é simples – os recursos governamentais que as mantém
são pagos per capita, e requerem que os usuários estejam lá dentro. Quando são
incluídos, a verba se vai. Desesperados, os dirigentes e seus padrinhos
políticos têm provocado campanhas para aterrorizar os pais, dizendo que seus
filhos vão ficar sem escola.
A receita tem dado certo. Não houve um senador sequer,
nem dos mais progressistas, que tenha ousado elevar sua voz contra as Apaes.
Mas afinal, senhores senadores, o que o PNE trará de
concreto e afirmativo para a educação inclusiva das crianças e jovens com
deficiência e para o combate à discriminação nos próximos 10 anos? Qual é a
mudança proposta pelos senhores? Algum avanço ou só mesmo a volta à segregação
de seres humanos?
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência
Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em
Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é
coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional
para a Erradicação do Trabalho Escravo.
Fonte-Blog do Sakamoto
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