Débora Fogliatto
No quarto andar da Casa de Cultura Mario Quintana, na
sala Radamés Gnatalli, uma voz vinda de um aparelho de som explica a proposta
dos pequenos quadros feitos com xilogravura. São o resultado e a audiodescrição
do projeto O Som da Tinta, promovido a partir de oficinas realizadas com
pessoas com deficiência visual e auditiva. Iniciativa do Estúdio Hybrido com a
professora Ana Cristina Meneghetti e a Tagarellas Audiodescrição, a mostra fica
exposta até este domingo (17).
Ao perceber a falta de opções culturais para pessoas
surdas, a professora de história Ana Cristina resolveu promover ela mesma uma
iniciativa que permitisse que eles fossem protagonistas da arte. A
historiadora, que se interessou pela acessibilidade ao conhecer uma colega
surda, fez curso de libras, especialização em Educação Especial, curso de
intérprete, de audiodescrição e atualmente cursa mestrado em Comunicação
Acessível.
Após trabalhar em diversas escolas para surdos em
Gravataí e Porto Alegre, ela ingressou no colégio Frei Pacífico, em 2011, onde
começou a pesquisar ambientes culturais acessíveis para levar seus alunos. Ana
levou os estudantes à Bienal do Mercosul, onde ela mesmo serviu como intérprete
e percebeu a falta de acessibilidade. Foi também nessa ocasião que a professora
entrou em contato com Marcelo Monteiro e Vanessa Berg, fundadores do Estúdio
Hybrido, que posteriormente foram seus parceiros para as oficinas. “Começamos a
conversar sobre a possibilidade de fazermos atividades com meus alunos surdos,
para eles terem acesso à arte e ao mundo artístico de Porto Alegre, e quem sabe
até seguir carreira”, conta Ana.
Enquanto realizava algumas oficinas de xilogravura, junto
com o Estúdio Hybrido, para seus alunos surdos, Ana se formou como
audiodescritora para deficientes visuais e passou a ter contato com essa
comunidade. O grupo Tagarellas, que ajudou na sua formação, entrou como
parceiro para dar continuidade ao projeto, promovendo oficinas também para
deficientes visuais. “A questão da xilogravura caiu como uma luva para
deficiência visual, principalmente pela questão tátil. A matriz da xilogravura
pode ser tocada e foi impressa em um papel especial para ficar em auto revelo”,
explica a professora.
Na Bienal de 2013, Ana trabalhou como assessora de acessibilidade,
em um projeto piloto que será ampliado para a próxima edição. Ela acredita que
a questão da acessibilidade cultural esteja muito prematura no Rio Grande do
Sul, inclusive em relação com outros estados brasileiros. “Não é por falta de
público que esses espaços não recebem essas pessoas, é por falta de
conscientização da classe artística e dos órgãos públicos, do estado e de Porto
Alegre. Os próprios espaços culturais têm que começar a colocar isso em suas
pautas”, critica. Para projetos futuros, a professora pretende ampliar as
oficinas para outras formas de arte, como a fotografia.
As oficinas tiveram muita procura pelas comunidades de
deficientes auditivos e visuais. Enquanto a maioria dos surdos eram alunos e
ex-alunos de Ana, jovens que cursam o Ensino Médio, os deficientes visuais eram
adultos. “As oficinas tiveram filas enormes de espera, poderíamos ter aberto
quantas turmas quiséssemos. Mas não tínhamos recursos, todo o projeto foi feito
no amor, nós mesmos gastamos no material”, conta Ana. Agora, ela e seus
parceiros buscam conseguir oportunidades em editais culturais do governo, para
que possam dar continuidade e oferecer oficinas de forma gratuita para pessoas
com deficiência.
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